A bolha de IA já está formada. Falta saber quem vai pagar a conta
Nos últimos três anos a narrativa em torno da IA saiu do experimento curioso para a promessa de nova infraestrutura da economia. Modelos que antes produziam imagens horríveis agora geram fotos quase perfeitas, texto em qualquer estilo e até vídeo. Ao mesmo tempo, metade do mercado já desconfia.
Uma pesquisa recente do Bank of America mostra que 54% dos grandes gestores acreditam que ativos ligados à IA estão em território de bolha. O FMI e o Banco da Inglaterra já colocaram no papel o alerta de que as avaliações em torno de IA podem levar a uma correção brusca nos mercados, em tom muito parecido com o que se falava antes do estouro da bolha ponto com.
Quando você olha para a arquitetura do setor, entende por que a palavra bolha aparece tanto. Há uma camada de chips, dominada por Nvidia e AMD, vendendo a pá e a picareta da corrida do ouro e batendo recordes de lucro.
Em cima dela estão as grandes nuvens, como Microsoft, Amazon, Google e Oracle, construindo data centers em escala continental. Na última ponta estão as empresas de IA em si, de big techs como Meta a mais de mil e trezentas startups avaliadas em mais de 100 milhões de dólares e quase 500 unicórnios de IA brigando pela mesma promessa.
O problema é simples de enunciar e complexo de resolver: o dinheiro que entra hoje não fecha a conta do que está sendo gasto para construir essa infraestrutura. A McKinsey estima que, até 2030, o mundo deve investir perto de 7 trilhões de dólares em data centers, sendo mais de 4 trilhões em hardware, com boa parte desse gasto puxado por cargas de IA.
A Bain calcula que o setor de IA precisaria gerar algo como 2 trilhões de dólares em receita anual até 2030 só para sustentar essa corrida de computação, um número maior que o faturamento somado de Microsoft, Alphabet, Meta, Amazon, Apple e Nvidia em 2024. As previsões de receita real de IA para 2030 ficam em menos da metade disso.
No centro desse descompasso está o exemplo mais simbólico: empresas como a OpenAI. Elas cresceram usuários em velocidade histórica, mas ainda queimam bilhões por ano. A OpenAI foi avaliada em algo em torno de 500 bilhões de dólares com menos de 20 bilhões de receita projetada, margens negativas e uma base enorme de usuários que usam o produto de graça ou em planos que podem ser deficitários quando espremidos pelo custo de GPU.
Enquanto isso, a própria empresa planeja dezenas de gigawatts em capacidade de data center e participa de acordos que somam mais de 1 trilhão e meio de dólares em chips, infraestrutura e contratos de nuvem ao longo da próxima década.
Para piorar a leitura, boa parte desse investimento está amarrada em arranjos circulares. Nvidia anuncia que pode investir até 100 bilhões de dólares em uma empresa de IA, que por sua vez se compromete a usar esse dinheiro para comprar chips da própria Nvidia. Oracle fecha um acordo de centenas de bilhões para fornecer capacidade de nuvem à mesma empresa, e para cumprir o contrato precisa comprar dezenas de bilhões em GPUs da Nvidia.
Em paralelo, fabricantes oferecem warrants e crédito subsidiado para garantir a venda de novos lotes de hardware. Não é fraude, mas é um tipo de financiamento de fornecedor que já apareceu no fim da bolha ponto com e pode inflar artificialmente a percepção de demanda e rentabilidade.
Essa máquina de gastar não vive só de equity. Muitas empresas de IA começaram a tomar dívidas bilionárias, inclusive usando o estoque de chips como garantia, enquanto os ciclos de atualização de hardware encurtam. Servidores que na contabilidade são depreciados em quatro ou seis anos podem ficar obsoletos em dois, conforme novas gerações de GPUs chegam todo ano.
Ao mesmo tempo, o gargalo de energia elétrica aparece como outro limite físico. Relatórios mostram que a demanda de data centers pode exigir dezenas de gigawatts adicionais, com projetos de usinas, linhas de transmissão e até parcerias com nuclear que levam de cinco a dez anos para sair do papel.
Do lado da demanda, o quadro também é ambíguo. Pesquisas mostram que algo como 88% das empresas já experimentam IA em algum ponto do workflow, e produtos de consumo atingiram centenas de milhões de usuários semanais. Mas a maior parte das organizações ainda não vê impacto claro em lucro operacional, e a monetização continua concentrada em poucas empresas muito grandes.
Segundo a Bain, mesmo em cenários otimistas, a receita total de IA em 2030 ficaria em torno de 780 bilhões de dólares, o que deixa um buraco de centenas de bilhões por ano em relação ao necessário para sustentar o nível atual de investimento. O resumo é duro: há muita IA sendo construída para um volume de receita que ainda não existe.
Ao mesmo tempo, o paralelo com a bolha ponto com não é perfeito. Lá atrás, as empresas de tecnologia listadas em bolsa tinham, em média, muito menos lucro e muito mais alavancagem. Hoje, big techs como Microsoft, Alphabet, Apple e a própria Nvidia geram volumes recordes de caixa e têm pouca dívida, o que lhes dá fôlego para errar alguns bets sem quebrar o sistema inteiro.
A própria relação preço lucro da bolsa americana, em bases correntes, está elevada, mas ainda abaixo do pico de 2000. Isso não elimina o risco de correção, apenas reduz a chance de colapso sistêmico do mesmo tipo.
Onde, então, está a bolha real. Não é na tecnologia em si, que já provou ter utilidade, nem na ideia de que modelos generativos vão entrar no dia a dia das empresas. A bolha está na extrapolação linear de curto prazo.
Na crença de que quase 500 unicórnios de IA vão achar espaço sustentável, quando a história mostra que revoluções tecnológicas costumam favorecer meia dúzia de vencedores e deixar um rastro de empresas destruídas no caminho.
Está na concentração absurda de risco em menos de 40 empresas que respondem por quase todo o gasto de tokens e por fatias enormes dos índices de ações. Qualquer tropeço mais sério de uma ou duas delas pode chacoalhar o mercado inteiro.
Para quem constrói produto, a lição não é entrar em modo pânico, mas abandonar o modo fé cega. Se você é PM, founder ou líder de produto, o jogo não é “implementar IA”. É resolver um problema caro de forma tão melhor que o cliente aceita pagar por isso.
Nesse cenário, IA é insumo, não fim. Em vez de colocar o roadmap a serviço da moda, use a bolha a seu favor: teste casos de uso de alto impacto, negocie contratos de forma a não ficar preso a um único fornecedor, calcule de forma honesta o custo de computação e monitore obsessivamente se a solução está gerando receita nova, redução real de custo ou vantagem competitiva defensável.
Como toda bolha, a de IA deve terminar em consolidação.
Projetos sem modelo de negócio vão sumir, valuations inflados vão voltar para a gravidade e alguns players que hoje parecem inevitáveis podem virar nota de rodapé, como aconteceu com a Netscape na era da internet. Isso não significa que IA vá desaparecer. Significa que, no final, alguém paga a conta dos sete trilhões de dólares em infraestrutura. A pergunta estratégica para você é se quer estar entre os que surfam a euforia, entre os que constroem algo que sobrevive ao estouro, ou entre os que só descobrem que era bolha quando o dinheiro acaba.
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Fontes
• Bank of America Global Fund Manager Survey sobre percepção de bolha em IA
• McKinsey, estimativa de quase 7 trilhões de dólares em investimentos globais em data centers até 2030
• Bain and Company, relatório sobre necessidade de 2 trilhões de dólares em receita anual de IA até 2030 e risco de gap de 800 bilhões
• Cobertura de acordos circulares entre OpenAI, Nvidia, AMD, Oracle e outros players de infraestrutura


saber da bolha é uma coisa
mas isso, put* merd*