Por que a IA precisa ganhar 400 dólares por usuário para não quebrar
Quando você olha para o hype de IA hoje, parece que tudo é só encantamento tecnológico. Mas a conversa importante não é sobre magia de modelo, é sobre matemática.

Várias estimativas já falam em algo como 400 bilhões de dólares por ano que as big techs estão despejando em data centers, chips e infraestrutura de IA, e um total acumulado perto de 5,2 trilhões de dólares até 2030, segundo análises como a da Sparkline Capital com base em dados da McKinsey.
A pergunta que trava a sala de conselho é simples: quanto isso precisa voltar, por pessoa, para não virar uma grande queima de dinheiro.
É aí que surgem os 400 dólares por usuário por ano. Esse número ficou famoso recentemente quando o investidor Rex Salisbury escreveu que a “bolha de IA precisa de 400 dólares por usuário por ano para justificar o capex atual até 2030”, comparando com o fato de Apple e Google gerarem algo em torno de mil dólares por ano por usuário nos Estados Unidos e o Facebook ficar na casa dos 200 e poucos dólares.
Esses 400 dólares não são preço de assinatura individual. São a média que o setor como um todo teria de extrair por pessoa considerando assinaturas, contratos com empresas, publicidade e uso embutido em outros produtos.
Hoje a conta não fecha. Análises como a Sparkline mostram empresas caminhando para gastar quase 400 bilhões de dólares em IA só neste ano, enquanto a receita claramente atribuída à IA ainda é uma fração disso. É daí que vem a sensação de bolha.
Existe uma leitura alternativa, porém incômoda: isso é o padrão de uma curva em J. Primeiro vêm anos de muito investimento em infraestrutura, reescrita de sistemas e experimentação com pouco retorno visível. Depois de um tempo, a produtividade dispara e o lucro aparece. O risco é esse “depois de um tempo” não bater com a paciência de quem está financiando a festa.
Para saber se 400 dólares por ano por usuário são realistas, você precisa olhar para quantas pessoas de fato vão usar IA de maneira recorrente.
Projeções de mercado indicam alguns bilhões de usuários de IA generativa até 2030, somando todas as interfaces possíveis. Mas nem todo mundo aí é “cliente pagante”. Nesse total de usuários, uma parte só testa a IA de forma pontual, outra não tem renda para pagar por nada e outra vive em mercados onde quase ninguém paga por serviços digitais.
Por isso, quando analistas fazem contas, é comum usar uma hipótese conservadora: algo perto de 1,5 bilhão de pessoas realmente monetizáveis até 2030. Não é um dado oficial. É uma aproximação construída a partir de padrões históricos de monetização em produtos digitais, do comportamento de assinaturas globais e do poder de compra de diferentes regiões.
Dentro desse grupo, a lógica mais usada divide o mundo em três blocos para a conta começar a fazer sentido:
Cerca de 15% seriam empresas e profissionais que usam IA no centro do trabalho e topam pagar mais caro porque enxergam retorno direto em vendas, margem ou eficiência.
Perto de 25% seriam pessoas dispostas a pagar um plano mensal para ter limites maiores, recursos extras e menos fricção.
O restante, 60%, ficaria em versões gratuitas ou quase gratuitas, gerando receita via anúncios, acordos comerciais ou IA embutida em outros produtos.
É essa mistura que constrói a tal média de 400 dólares.
Se você olha só para o lado consumidor, a coisa emperra. Hoje o mercado ancorou muitos planos “premium” de IA por volta de 20 dólares por mês, algo como 240 dólares por ano.
Se, por hipótese, todos os 1,5 bilhão de usuários monetizáveis pagassem isso, o setor geraria 360 bilhões de dólares por ano. Em cima de um investimento de trilhões, isso é pouco.
Ainda mais porque essa conta bruta ignora custo de operação de modelos, energia, equipe, vendas, marketing e pesquisa. A conclusão incômoda é direta: só com consumidor final pagando assinatura dificilmente o ciclo de IA se paga.
O peso da conta cai então em quem usa IA para trabalhar. Hoje, quando uma empresa contrata ferramentas de vendas, atendimento ou análise de dados, ela paga um valor por cada pessoa que usa. E não é pouco. Tem casos em que isso chega a milhares de dólares por ano por funcionário.
A lógica dos 400 dólares supõe um cenário em que cerca de 225 milhões de profissionais e empresas pagam algo na faixa de 100 dólares por mês, enquanto uma camada maior paga um valor intermediário e a base gratuita é monetizada por publicidade.
Com essa combinação, a receita total anual chega na casa dos 500 bilhões de dólares, o que dá algo perto de 350 dólares por usuário por ano. É muito, mas ainda fica abaixo dos 400 necessários para deixar investidores tranquilos.
Ajustando a conta, mantendo constantes os valores da base gratuita e dos planos premium de consumo, o que fecha a equação é: o segmento profissional teria de pagar algo perto de 1.500 dólares por ano por usuário, cerca de 125 dólares por mês.
Quando você lembra que só em publicidade a Meta já tira algo entre 191 e 223 dólares por ano por usuário nos Estados Unidos, e que muita gente paga perto de 1.000 dólares por ano em plano de celular, o número deixa de parecer absurdo.
Outro jeito de testar a ideia é comparar com o que já acontece hoje nos grandes ecossistemas. Rex Salisbury lembra que a Apple gera algo como 1.000 dólares por ano por usuário nos Estados Unidos quando soma hardware e serviços. Google está em patamar parecido. E só com anúncios, o Facebook chega perto de 240 dólares por ano por usuário em mercados relevantes.
Não é que a IA “precisa virar a nova operadora de celular do mundo”. O ponto é que 400 dólares por ano por pessoa não são um número absurdo SE a tecnologia se tornar tão indispensável quanto smartphone, redes sociais ou internet móvel.
Para quem trabalha com produto, growth ou estratégia, esses 400 dólares são menos uma previsão e mais um teste de sanidade.
Ele obriga você a responder perguntas concretas:
Quem são os poucos por cento da sua base que realmente podem pagar mais porque veem retorno direto em dinheiro ou tempo?
Qual é a oferta clara para quem pode pagar algo intermediário mas não tem orçamento corporativo?
E qual é exatamente o papel da maioria que não paga: formar audiência, alimentar modelos, gerar retenção ou tudo isso junto?
Sem essa arquitetura, você não tem um negócio de IA.
Tem só um experimento caro rodando em infraestrutura dos outros.
O ponto final é o timing.
Mesmo se a indústria conseguir chegar perto dos 400 dólares de receita média por usuário por ano em 2030, projeções de fluxo de caixa ainda apontam que o investimento total só seria compensado alguns anos depois.
Isso significa que, até lá, o mercado vai separar quem liga capex a monetização de quem só empilha GPU esperando que alguém descubra o modelo de negócio depois.
Se você quer acompanhar esse corte de forma menos ingênua e com foco em produto, vale assinar a newsletter e compartilhar este texto com quem ainda discute IA só pela lente do hype.
Outra fontes
PGIM Fixed Income, “The AI-Capex Race and the Economic Implications”
Surviving the AI Capex Boom
[tweet] AI “bubble” needs $400 / user / year to justify current capex by 2030.




Ótima análise, essa conta de $400/usuário prova que a expectativa dos investidores descolou da realidade.
Mas minha aposta para o desfecho é diferente. Dificilmente o mercado vai topar pagar essa conta, porque a concorrência joga o preço para baixo. Se a Microsoft tentar cobrar caro para fechar essa conta e a Meta oferecer o Llama de graça (ou quase) para ganhar share, o preço alto não se sustenta.
O cenário mais provável é o ajuste vir pelo crash das ações (o investidor assume o prejuízo do Capex exagerado) e não pelo bolso do usuário. O investimento desacelera, mas a tecnologia continua disponível e barata por excesso de infraestrutura instalada, basicamente o que houve com a fibra ótica nos anos 2000.
Vai acontecer a mesma coisa que acontece com tudo na era digital
Vai se tornar um serviço péssimo, a não ser que você desembolse mais e mais grana
As redes sociais viraram um antro de golpistas e mentirosos, se a Inteligência Artificial se encher de anúncios, quem me garante que o mesmo não aconteça com ela?