A combinação de capitalismo e internet faz algo irreversível quando amadurece: ela liquefaz tudo.
Cada domínio humano acaba virando um mercado. O que era orgânico vira transação. O que era ritual vira logística.
Essa liquidez não é só sobre dinheiro, mas sobre forma. Quando algo se torna líquido, ele perde contorno, identidade e resistência. É o que Zygmunt Bauman chamou de “modernidade líquida”: um tempo em que tudo precisa fluir para não desaparecer. Relações, ideias, valores, até a própria atenção.
A internet acelerou esse processo ao extremo. Criou uma economia de escala para a vida emocional.
Amor virou swipe.
Afeto virou notificação.
Pertencimento virou algoritmo.
Byung-Chul Han explica isso como a transição da “sociedade disciplinar” para a “sociedade do desempenho”. Ninguém nos obriga a correr. Corremos sozinhos. A lógica de mercado colonizou até o que parecia intocável: a intimidade.
Os aplicativos de namoro são o retrato mais visível disso. São hiper eficientes, escaláveis, sedutores. Mas emocionalmente vazios.
Você não constrói mais intimidade, você dá match.
Não espera, rola o feed.
Não se arrisca, filtra.
E o mesmo padrão se espalha silenciosamente.
Na arte, visualização em vez de visão.
Na espiritualidade, conteúdo em vez de contemplação.
Nos relacionamentos, disponibilidade em vez de afeto.
Tudo passa a otimizar pela troca, não pela profundidade. Pela eficiência, não pela experiência.
O capitalismo liquefaz. A internet acelera.
E o que sobra são sistemas que funcionam perfeitamente para experiências cada vez mais vazias.
No fim, a liquidez é a vitória da velocidade sobre o sentido. A profundidade exige tempo, atrito, presença. Mas o mercado não tem paciência para nada disso.