A satisfação do cliente retroalimenta o roadmap da organização: o case Decathlon
Muito além de medir NPS: a Decathlon transforma insights de consumidores em vantagem competitiva e impulsiona conversões.
É comum associarmos muitos termos que foram originados em fábricas no dia a dia de posições ligadas a produtos digitais. “Esteira de desenvolvimento” é um ótimo exemplo: representa o fluxo do desenvolvimento, similar a uma linha de montagem. “Lead Time” nada mais é do que o tempo de produção/entrega, e “Throughput” é a taxa de produção em si.
Esse são só alguns exemplos, mas é fácil encontrar muitos outros quando buscamos pela origem de muitos desses termos. Entretanto, acredito que o escopo de atuação de um gerente de produto se aproxime muito mais às características de um médico do que de uma linha fabril.
Isso porque o trabalho de um médico não é “finito”: a saúde do seu paciente pode voltar a apresentar algum problema, e cabe a ele identificá-lo com o máximo de antecedência para aplicar um tratamento eficaz. Muitas vezes, o médico também indica formas de como o paciente pode evitar contrair determinadas doenças, aumentando a resistência de seu sistema imunológico ou indicando uma rotina com mais exercícios.
Encaramos os produtos digitais pelos quais somos responsáveis de forma próxima, a fim de entender como podemos aprimorá-los cada vez mais, e um aspecto fundamental para isso é estando próximo de nossos clientes/usuários: obter feedback assertivo e real é uma forma muito clara de obter insumos para continuar a manutenção de geração de valor de diferentes produtos digitais.
A satisfação como retorno de investimento
No ano passado participei de um evento bem interessante cujo tema era pesquisa de satisfação na prática, com diversos cases relevantes sendo apresentados. Um deles me chamou a atenção: “Experiência & Conversão: Impulsão para o negócio” da Decathlon.
Apresentado por Cyro Menezes, Customer Relations Manager da empresa, foi possível ter um vislumbre de uma velha questão envolvendo o uso aplicado da pesquisa de satisfação: como utilizá-la de modo a influenciar alavancas de negócio, tornando, por exemplo, uma nota de NPS trimestral relevante para isso?
Algum tempo depois, puder entrevistar o Cyro para obter mais detalhes de todo o conteúdo que ele compartilhou com todos os presentes, e minha primeira pergunta foi óbvia: como ele lida com todo o backlog gerado através de feedbacks dos clientes e top-downs no dia a dia? Como priorizar medidas que aparentemente vão dar dinheiro efetivo e solicitações dos clientes?
A resposta inicial para essas questões extremamente abrangentes veio de forma pragmática: a satisfação dos clientes na Decathlon é vista de forma estratégica, por meio do retorno do investimento empregado.
Entretanto, cada empresa/setor/alvo de transformação tem um grau de maturidade distinto: para uma empresa que tem baixo grau de maturidade em determinado aspecto, o ponto de vista do cliente sana questões básicas e pode também trazer retorno financeiro para ela.
Com um grau maior de maturidade, o que se observa é que a área de atendimento/CX sempre captura feedbacks, em sua grande maioria, negativos. Mas não necessariamente a maior parte do que está sendo alvo de reclamações é onde a empresa deve dedicar investimentos para sanar: pode ser que a empresa precise de dinheiro para outras questões mais urgentes (a visão estratégica aqui é de suma importância para que a orientação do que deve ser feito).
Problemas que já foram reportados pelos clientes e já tiveram tentativas de soluções mais “estruturantes” pelas empresas precisam, mas que necessitam de ainda mais investimento para que seja efetivamente sanado.
Exemplo: amantes do Starbucks se lembram qual que é a coisa mais positiva e negativa no local? Quando refletimos em qual seria a mais “negativa”, provavelmente destacaremos o preço dos produtos vendidos, mas raramente escutaremos menções ao tamanho da fila. E mesmo assim, o Starbucks não trata da questão da fila, e sai da experiência: essa é uma organização que preza por esse aspecto. Ou seja, um exemplo perfeito do que a empresa precisa e quer resolver dentro de casa, e quais os indicadores do business atrelados as soluções propostas.
Nem sempre o que o cliente está reclamando é prioridade: é necessário contexto, e não uma resposta bidimensional. Isso porque ela vai variar de acordo com o grau da maturidade do produto, empresa, etc.
Às vezes, as empresas escolhem entregar experiências ruins (escolhem não melhorar na fila, como no caso do Starbucks acima) em detrimento em melhorá-la em outro lugar: Esse é um exemplo claro da importância da capacidade de priorização.
A estratégia do uso de NPS na Decathlon
Já postei um artigo no passado destacando como, provavelmente, você está usando NPS de forma errada. O Net Promoter System é uma metodologia para avaliação de feedback, trazendo ao consumidor uma escala de fácil mensuração para que ele possa avaliar, de forma ágil, sua experiência de consumo.
A Decathlon incorpora o NPS de uma forma estratégica, usando uma abordagem inovadora na experiência do cliente, uma vez que um dos seus principais pilares é a captura estruturada de feedbacks para otimizar a jornada do esportista. A empresa desenvolveu um framework robusto para coletar, analisar e agir sobre as percepções dos clientes, garantindo que suas ações estejam alinhadas com as necessidades reais do consumidor. Ela é uma representação desse processo, destacando como diferentes canais e estratégias são utilizados para aprimorar a satisfação e conversão.
O modelo parte da premissa de que o cliente satisfeito é o centro de todas as iniciativas. A jornada se inicia na escuta ativa do consumidor, seja por meio de canais estruturados, como pesquisas formais e feedbacks em lojas, ou por vias mais informais, como redes sociais. A partir dessa escuta, a Decathlon foca na análise dos dados coletados, transformando percepções em insights acionáveis. O próximo passo é agir, implementando correções e aprimoramentos nos processos internos, o que impacta diretamente o produto final e a experiência do usuário. Esse ciclo contínuo permite que a empresa desenhe o futuro, antecipando tendências e garantindo que seus produtos e serviços continuem relevantes e alinhados às expectativas do consumidor.
A importância da pesquisa estruturada e não estruturada
O Cyro ainda destacou que a Decathlon combina diferentes fontes de coleta de dados para maximizar seu entendimento sobre os clientes. O framework diferencia canais estruturados, como pesquisas formais e interações em pontos de contato físicos dos canais não estruturados, como redes sociais e interações espontâneas em atendimento. Essa combinação permite capturar tanto dados quantitativos quanto qualitativos, enriquecendo a análise de comportamento do consumidor.
Dentro desse modelo, as ações são categorizadas em diferentes áreas:
Governança e Recuperação: Ajustes internos para corrigir problemas identificados no atendimento e na operação.
Produtos e Branding: Uso do feedback do cliente para aprimorar a oferta de produtos e fortalecer a imagem da marca.
Digital e Offline: Estratégias omnichannel para garantir que a experiência seja fluida, independentemente do meio de compra ou interação.
Canais Críticos e Social Media: Monitoramento constante dos principais pontos de contato do consumidor, garantindo respostas rápidas e engajamento eficiente.
Em relação ao Digital e Offline, o Cyro destacou que seus clientes estão cada vez mais familiarizados com tecnologia: fazer comparativos e checar concorrentes não é mais um problema, e isso exige que as marcas busquem cada vez mais a excelência em touchpoints (momentos de "micro-alegria").
Captar o feedback no momento de ação (ou Gemba para os íntimos do Kaizen) é de suma importância: quanto mais próximo desse momento é possível ter uma avaliação assertiva daquele momento em questão e permite entender como o cliente investe seu dinheiro, gasta seu tempo etc.
Isso porque o sentimento mais "puro" da realidade vivida pelo cliente, transportando conhecimento sobre o comportamento de consumo, e o que ele valoriza ou deixa de valorizar. (um exemplo prático para a comunidade de produto seria o mapeamento com o apoio do hotjar de usuários que estão dentro de e-commerce e tem uma captura de percepções).
Ele trouxe ainda um exemplo de observação no varejo: uma pessoa que sai da loja em dia de frio e compra jaquetas de inverno, reclama na pesquisa que o ar-condicionado está muito forte. Isso influencia o consumidor de algumas formas para alavancar vendas na prática.
Outro exemplo mencionado por ele foi a inclusão de um contêiner em frente de uma loja onde as pessoas têm experiências com temperaturas negativas: um portfólio de produtos de neve/montanha com apelo instagramável, onde os clientes colocavam blusas para poder experimentar a sensação de frio.
Desafios recorrentes
Algo difícil na Decathlon (e diversas outras empresas): ter o feedback na experiência de uso do produto, ou seja, quando ele acabou de comprar uma bicicleta: como esse produto é interpretado por ele logo após a compra?
No momento de compra: existem dúvidas? O que gera fricção para tomada de decisão de compras? importante capturar isso (seja por meio de uma promotora humana, seja por meio de algum meio digital): se o cliente topar ler um QR code, ele pode dar mais informações sobre suas percepções, quais as dúvidas, detalhes adicionais etc). Nesse contexto, o phygital se apresenta como uma abordagem cada vez mais interessante.
Outro cenário decorrente é a escassez de dinheiro para buscar formas tecnológicas para mensurar a experiência do cliente. O Cyro mencionou que o uso de indicadores do próprio business pode ajudar nesse sentido: ticket médio, cesto médio, gamas de produto (vendas em conjunto do que faz sentido, como café/coador de café) são possíveis meios para observar o business visando compreender diferentes referências do cliente. Disponibilidade do produto, como está a apresentação dele na loja etc. são fatores relevantes que também podem influenciar nesse sentido.
Algo que as áreas estratégicas da empresa muitas vezes deixam passar é a consulta a áreas de suporte e SAC da organização são fundamentais serem ouvidas nesse sentido: eles têm insights valorosos em relação a como eles se comportam e o que pensam e como se comportam.
E como começar a gerar insights através de feedbacks de clientes? Depende de onde estará essa reflexão dentro da empresa. Existem dois tipos de "jogadas": usar voz para endossar algum aspecto financeiro da organização, ou usar resultado financeiro como forma de endossar a nota obtida. É preciso fugir dessa “armadilha”: o uso de dados precisa ser feito de forma consciente, sem influências pessoais ou indevidas para a captação de insights.
Conversão e faturamento, no final do dia, são universais independe da organização onde a tomada de feedbacks dos clientes está sendo considerada de forma mais estratégica: são bons como ponto de partida.
E como conectar a experiência observada com o resultado do negócio? esse é o exercício que as pessoas de produto devem olhar, e não existe receita de bolo: para cada negócio será diferente (muitas vezes ser possível adaptar diferentes formas para captação de feedbacks, outros tipos de descoberta para cruzar de forma relevante para os feedbacks que são captados etc.).
A relação entre NPS e conversão
A Decathlon não apenas mede a satisfação do cliente, mas correlaciona diretamente esses dados com a conversão. Utilizando a metodologia de Pearson, a empresa identificou uma relação positiva entre Net Promoter Score (NPS) e taxa de conversão, comprovando que clientes mais satisfeitos têm maior propensão a comprar novamente e recomendar a marca. Essa abordagem permite que a empresa direcione esforços estratégicos para maximizar tanto a experiência do consumidor quanto os resultados financeiros.
Mais do que isso, a Decathlon não apenas mede a satisfação do cliente, mas busca entender como ela influencia diretamente os resultados do negócio. Indo além de correlações superficiais, a empresa investe na identificação de relações causais entre os indicadores de experiência (como o NPS citado anteriormente) e métricas de performance, como a taxa de conversão.
Por meio de análises aprofundadas (incluindo uso da metodologia de Pearson como ponto de partida para validação estatística e testes controlados), a Decathlon comprovou que clientes mais satisfeitos tendem não só a comprar mais, como também a recomendar a marca com maior frequência. Essa evidência de causalidade permite direcionar esforços com confiança, garantindo que ações tomadas com base no feedback tragam retorno real para o negócio.
Um exemplo claro: clientes que foram assistidos por colaboradores no ponto de venda apresentaram uma conversão 12% maior em comparação com os que não tiveram atendimento direto. Além disso, ao redistribuir melhor a escala de equipe durante horários de pico, a empresa observou um aumento de 7% na taxa de conversão. Tais decisões não foram guiadas apenas por percepção ou feeling, mas por dados que demonstraram impacto direto e mensurável na performance da operação.
O case da Decatlhon mostra que a captação de feedbacks dos clientes é menos sobre o ferramental, e mais sobre construção da hipótese: é importante a busca por oportunidades por meio de estudo embasado, ao invés de qual solução utilizar. É a validação causal do impacto que transforma a experiência do consumidor em uma alavanca estratégica real, incorporando de forma estruturada a voz do cliente ao processo decisório da organização e como ela poderá influenciar alavancas de negócios e passar a incorporar as percepções dos clientes nas tomadas de decisão da companhia.
Bom dia! Ótimo tema, gostei bastante! Um feedback pra escrita, me deparei com alguns erros de português/gramática e uma linha "sem pausa", meio sem cadência, em algumas partes do texto. Também ficou muito longo e repetitivo, é a segunda ou terceira matéria que sinto essa "não-vontade" de terminar, parece que a matéria vai evoluindo o tópico, se perde e repete o que já contemplou. Pra mim como leitora, sinto que houve alguma mudança, prefiro a forma anterior, eram textos mais envolventes e assertivos no tom e cadência. Gosto muito da newsletter, faz parte da minha rotina matinal enquanto tomo café da manhã 🫶🏽