Agilefall: Quando a implementação Agile ocorre em uma empresa com cultura Waterfall
Como lidar quando o posicionamento da organização é um, mas a prática é outra?
Vou trazer um cenário para visualizarmos em conjunto: uma empresa consolidada em seu mercado atualmente passa por uma transformação digital interna. Campanhas, palestras, brindes temáticos e, talvez, até trilhas de treinamento consolidam a etapa inicial de disseminação da nova cultura da organização.
Dentro desse cenário, ou paralelo a ele, agilistas são contratados para iniciarem uma nova configuração de trabalho. A equipe de T.I., até então paralela ao negócio da empresa (servindo apenas como facilitadora), agora está parcialmente integrada aos squads, e os novos fluxos de trabalho passam a valer para todos.
Apesar das melhores intenções dos squads, a empresa é orientada por resultados e não tem muita tolerância (e tempo) para adaptação. Os papéis de Techlead, Agilista, Product Owner e outros acabam se misturando, e o índice de rotatividade tem aumentado.
Ao final, a ‘casca’ da estrutura organizacional é Agile, mas os squads não têm tempo útil para a realização de algumas cerimônias (como o Discovery), e a maioria das histórias é priorizada de forma top-down.
Bem-vindo a metodologia “Agilefall”.
A ideia por trás da cultura Agile é simples: mais geração de valor para o cliente e menos burocracia. Por ser altamente flexível, prioriza a colaboração entre pessoas e equipes para a determinação de prioridades com base no cliente.
Desde o surgimento da metodologia na área de T.I. com o Manifesto Ágil de 2001, empresas de diversos outros segmentos abraçaram essa forma de organização devido aos resultados superiores, como equipes 25% mais produtivas utilizando Agile em comparação ao Waterfall.
Transformações digitais
Diversas empresas já consolidadas tentaram embarcar na chamada ‘transformação digital’ sem sucesso. Em 2011 a General Eletric (GE) realizou uma tentativa ambiciosa de transformar digitalmente suas ofertas de produtos e serviços. Entretanto, os investidores não reconheceram o verdadeiro valor da transformação proposta, e os preços das ações caíram continuamente desde o novo posicionamento, forçando, inclusive, o CEO da época a renunciar ao seu cargo.
Já em 2014, a Nike reduziu o tamanho de sua unidade digital em 50%, em devido à descontinuidade do até então famoso Nike+ Fuelband.
Em 1996, a Hershey começou a implementação de um novo sistema integrado de gestão empresarial. A transição para o novo sistema foi adiantada pela liderança da empresa para atender a um cronograma mais curto, e a equipe de implementação teve que reduzir o número de testes. Como resultado, mais de US$ 100 milhões em pedidos não foram atendidos, mesmo a empresa tendo o estoque necessário na época. Essa confusão encolheu as receitas trimestrais em 19% e as ações da empresa caíram 8%.
Por que tantas transformações digitais falham?
O primeiro e mais comum aspecto é encarar a transformação digital como uma certeza de sucesso, ignorando as diversas variáveis presentes nesse árduo processo. As características entre setores podem variar bastante, a aderência por parte da equipe também pode levar mais tempo do que se espera inicialmente, entre diversos outros fatores a serem mapeados.
Um ponto essencial nesse sentido é o tempo, pois a transformação digital não vem em formato plug & play. O processo como um todo é multifacetado e envolve todos os colaboradores de uma organização, com vivências, faixas etárias, perfis e familiaridade com tecnologia nos mais diversos formatos.
Isso faz com que a transformação não seja uma corrida em formato de sprint, mas sim uma maratona. É necessária intervenção e suporte contínuo (especialmente da liderança) a fim de estimular essa mudança de mindset.
Uma característica relevante é a questão de sinergia entre a iniciativa de transformação digital e a estratégia da empresa. Dentro da missão e dos macro objetivos desenhados, como a transformação pode desempenhar um papel efetivo?
Sem um direcionamento claro, é fácil para as organizações se perderem na orientação de suas ações e investimentos (não à toa, 70% de todas as iniciativas de transformação digital falham).
Principais motivos pela falha na escalada de transformações digitais nas empresas - McKnsey e company (2020)
Por que algumas empresas tem dificuldade na implementação Agile?
Uma parte importante da transformação digital é a mudança cultural. Nem toda empresa emprega ambas simultaneamente, mas esse é um cenário extremamente comum.
Diversos fatores precisam ser considerados para entender as dificuldades na implementação Agile. O primeiro deles é a natureza do negócio em que a empresa está inserida. Trata-se de uma empresa que nasceu no mundo digital, que utiliza o meio digital para o business ou que ainda possua um perfil tradicional?
Essa definição de perfil é importante para entender o grau de influência da estratégia do Produto na estratégia de negócio, avaliando inclusive se existe uma separação propriamente dita no caso das organizações nativas digitais.
Se uma empresa considera tecnologia apenas como um meio para prover o produto, dificilmente vai escapar da armadilha de outros times terem maior peso na decisão sobre o que será priorizado ou qual a estratégia de Produto a ser adotada. Agora, se a empresa encara a tecnologia como parte central de seu negócio, toda a gestão de produto será encarada de forma diferente.
Outro ponto fundamental é o estabelecimento de um espaço psicologicamente seguro, ou seja, propenso a erros. Quanto mais rápido se erra, mais rápido se encontra uma solução que levará o produto a alcançar um resultado positivo. Não existe tentativa sem estressar os possíveis erros. Com uma cultura que dá mais dinamismo e possibilidade de acompanhamento junto ao comportamento do consumidor, é de se esperar procedimentos de testes orientados por dados.
Entretanto, algumas organizações não oferecem um espaço verdadeiro para essa margem de erro. O discurso é um, a prática é outra.
Desafios enfrentados na adoção e escalada do modelo Agile nas empresas – State of Agile (2022).
Talvez o mais óbvio de todos, mas a transformação deve ser estimulada pelas figuras de liderança. Abraçando a metodologia, os liderados se sentirão à vontade para interagir entre si e terão espaço para trocas de boas práticas e percepções de forma geral.
O último e mais importante item é a questão envolvendo o foco no qual o esforço será dedicado. Muitas organizações priorizam os aspectos organizacional e técnico em um cenário de migração de metodologia de trabalho. Os agilistas trazem frameworks impecáveis, tecnologia com softwares e outros programas de ponta com fornecedores líderes de mercado. Entretanto, não dão ênfase ao principal motivo para uma mudança tão radical quanto essa: alterar os indicadores de negócio, o que de fato trará resultado para a empresa.
Se a partir da gestão Agile um determinado fluxo de desenvolvimento passou a ser realizado de forma mais dinâmica, é necessário mensurar. Dessa forma, conseguimos verificar se desenvolvimentos mais rápidos melhoram o NPS junto ao cliente, associando uma coisa com a outra.
Não concentrar os esforços nos indicadores de negócios, mas ter toda uma estrutura ágil implementada, é como ter uma Ferrari restrita a uma pista de kart: ela pode até rodar bem, mas não foi feita para isso.
Já que as métricas voltadas para o negócio são essenciais, outro aspecto relevante são as quick wins (ainda que não se deixe de lado o projeto como um todo). Com elas, será mais fácil traduzir os indicadores do dia a dia para que a liderança possa visualizar, em termos práticos, o progresso sendo registrado. Pequenas entregas de valor, palpáveis, às vezes serão mais significativas do que uma grande entrega titânica depois de um longo período de tempo.
Para finalizar, uma analogia que ouvi recentemente: um grande objetivo é como uma viagem de avião. Vou percorrer uma grande distância, mas se perder o voo será um trabalhão conseguir outra passagem aérea. Enquanto as quick wins são como uma ida de metrô: se eu perder um trem em uma estação, em pouco tempo posso aguardar a vinda de outro.
Em tempos em que algumas buzzwords são mais populares do que seus significados e impactos propriamente ditos, é importante termos uma visão prática do todo para assegurarmos que possamos gerar valor real para as organizações, com uma visão aplicada aos negócios.
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