O novo funil não será B2C, mas AI2C (AI-to-Consumer)
Existem dias em eventos de inovação que viram lendas e ontem, quinta-feira, foi um desses dias.
O primeiro sinal foi a cena impressionante do lado de fora com uma fila que dobrava o quarteirão do galpão Kobra, muito antes das 10h da manhã, com uma disputa caótica por um assento não era sobre hype. Amy Webb, a mesma futurista que foi um dos nomes mais aclamados e comentados no SXSW deste ano, trouxe ao Brasil sua análise notoriamente afiada sobre o futuro da IA.
Estar no centro deste momento, prontos para trazer cada insight, foi possível graças aos nossos parceiros da RecargaPay, que possibilitaram nossa cobertura completa do evento e garantiram que esta análise chegasse até você.
O que aconteceu lá dentro justificou cada minuto de espera. Amy Webb subiu ao palco não para prever o futuro, mas para nos dar um choque de realidade.
Aqui está nossa análise do que realmente importa:
O colapso do meio e da mensagem
Para provar seu ponto, Webb iniciou a palestra com uma versão de sua própria voz clonada por IA, falando português fluentemente. A demonstração serviu de âncora para sua primeira premissa: a distinção entre o canal de comunicação e a mensagem está se tornando irrelevante. A IA é, simultaneamente, “o meio, o criador da mensagem e o mensageiro”.
Ela mapeou a evolução dos canais de influência, de 1882 aos dias de hoje, para mostrar que o desafio de capturar atenção apenas se tornou mais complexo.
Seu cálculo identificou 52 canais de marketing distintos operando em 2025. A IA generativa não é o 53º canal; ela é um multiplicador que pode gerar infinitas variações de mensagens e mensageiros para cada um desses canais, criando um cenário de complexidade exponencial.
Marketing de influência para agentes (A2A)
O ponto de virada da análise de Webb é um conceito que ela chama de “Marketing de Influência de Agente”. A lógica é a seguinte: em um futuro próximo, interagiremos com a internet cada vez mais através de assistentes de IA que agirão em nosso nome. A consequência direta é que o público-alvo das empresas deixará de ser apenas o consumidor final.
"...implantando agentes autônomos de inteligência artificial como influenciadores digitais (...) não para outras pessoas, mas para outras inteligências artificiais."
O novo funil não será B2C, mas AI2C (AI-to-Consumer). Nossos agentes de IA pessoais pesquisarão, negociarão e comprarão produtos e serviços, tornando a “internet sem cliques” uma realidade. Nesse cenário:
APIs e dados estruturados se tornam mais importantes que landing pages persuasivas. O marketing de conteúdo evolui para o marketing de dados.
A reputação do sistema e a confiabilidade da sua plataforma se tornam o principal ativo, pois é isso que os agentes de IA usarão como critério de seleção.
O jogo muda da persuasão de UX para a otimização de valor para algoritmos. A pergunta-chave deixa de ser "Como convenço o usuário a clicar?" para "Como provo ao agente do usuário que minha solução é objetivamente superior?".
Do conceito à realidade: O playbook da DARPA
Para que a tese não soasse como ficção científica, Webb apresentou o caso do Alpha, um agente de IA criado pela DARPA (a agência de pesquisa avançada de defesa dos EUA). Em um ambiente de simulação complexo, Alpha precisava colaborar com outros agentes (humanos e de IA) para desarmar bombas.
Para ter sucesso, ele não podia apenas executar tarefas. Ele precisava exercer influência, convencendo os outros a confiar em suas decisões. Esse é um exemplo concreto de um sistema multi-agente onde a influência, a colaboração e a competição entre IAs já são uma realidade, financiada ao mais alto nível. Empresas como a Microsoft também já publicaram pesquisas com agentes de IA que formaram alianças, criaram regras e até "evangelizaram" outros agentes dentro de simulações.
O imperativo estratégico: Inovação vs. Iteração
A conclusão de Webb é um desafio direto à liderança de produtos. A grande maioria das empresas hoje está apenas iterando: aplicando IA para reduzir custos ou fazer o que já faziam de forma um pouco mais eficiente. Elas não estavam preparadas para a internet, nem para o mobile, e agora repetem o padrão com a IA.
"Será que vocês estão realmente inovando ou estão iterando?"
A verdadeira inovação, segundo ela, é projetar produtos e modelos de negócio que partem da premissa de que sistemas autônomos são a nova infraestrutura da internet. É a diferença entre usar IA para escrever um e-mail marketing (iteração) e construir uma plataforma que negocia contratos automaticamente com os agentes de IA de seus clientes (inovação).
O recado final é inequívoco: o "flywheel" que irá gerar valor na próxima década não será o de dados alimentando personalização para humanos.
Será o de plataformas abertas e confiáveis gerando dados que alimentam agentes de IA mais eficientes, que por sua vez atraem mais usuários e seus respectivos agentes, criando barreiras competitivas baseadas na confiança algorítmica.
Para os líderes no Brasil, a pergunta não é se esse futuro virá, mas quem terá a coragem de construí-lo primeiro.
A pergunta que fica ecoando hoje não é "o que a IA pode fazer pelo meu produto?", mas sim:
Como líderes, estamos desenvolvendo a nós mesmos e aos nossos times para ter a maturidade de fazer as perguntas que realmente importam?