Bluesky: muito mais do que um mero substituto
Uma perspectiva de produto a uma rede social ousada no que se propõe
O banimento do aplicativo X (antigo Twtitter) no Brasil foi marcado por muitas controvérsias, e, como resultado, em torno de 22 milhões de brasileiros antes ativos na plataforma ficaram carentes de uma rede com o formato de publicações de pequenos textos.
Rapidamente, diversos brasileiros buscaram por um substituto a altura: entre diferentes plataformas de mercado, duas se destacaram: o Threads (que conseguiu uma grande tração de usuários por conta de outras contas existentes no Instagram e Facebook, redes que também pertencem a Meta), e o próprio Bluesky.
Atualmente com mais de 10 milhões de usuários, a plataforma enxergou um crescimento exponencial desde que o X não pode mais ser acessado no país no final do mês de agosto: de lá para cá a rede ganhou mais de 3,5 milhões de usuários, dos quais 85% eram brasileiros.
No dia 11 de setembro a plataforma reportou o maior pico em número de usuários ativos já registrados, superando em cerca de 10% seu recorde anterior, o que parece indicar um caminho prospero e possíveis novos investimentos.

Um céu azul a ser explorado
Alguns dos atuais usuários do X começaram a notar uma queda nas atividades da rede, já que muito do conteúdo lá produzido eram de brasileiros. Isso porque a nossa presença digital é extremamente robusta: segundo o levantamento Digital 2024, o Brasil é o segundo país que mais passa tempo online, com média de 9h13 por dia (atrás apenas da África do Sul com 9h24). Quando fazemos o recorte de uso apenas das redes sociais, a média de tempo dedicada é de 3h37 diariamente.
Com essa forte presença, o Bluesky tem uma grande oportunidade em mãos: cativar os brasileiros para que essa movimentação possa passar a ser seguida por outras regiões (como a américa latina e os próprios EUA).
Essa não foi a primeira vez que a plataforma apresentou um pico de novos usuários (apesar do banimento no Brasil ter proporcionado o mais expressivo deles): em setembro de 2023 também foi registrado um grande aumento no número de usuários ativos por conta de declarações de Musk que sondou a possibilidade de que os usuários do X iriam passar a pagar um valor recorrente para manterem o acesso a plataforma.
Outro fator importante é que, diferente do posicionamento truculento de Musk, a CEO do Bluesky, Jay Graber, já soltou uma nota pública reforçando que "pretendem respeitar totalmente as leis e autoridades locais do Brasil e tomar decisões de moderação de conteúdo caso a caso, de acordo com nossas Diretrizes da Comunidade”.
Normalmente consideramos o aspecto “político/regulador” de um produto quando atuamos em setores como os de tabaco e bebida alcoólica, porém esse é o motor por trás do crescimento do Bluesky (e possivelmente seu calcanhar de Aquiles).
Uma breve introdução
A rede foi criada por Jack Dorsey, ainda em sua posição como CEO do Twitter, em 2019: a ideia do Bluesky foi lançada como uma forma de explorar uma solução para questões como críticas a problemas relacionados à moderação de conteúdo, algoritmos centralizados e a incapacidade dos usuários de controlar suas próprias redes e dados.
Nos primeiros anos após seu lançamento, o Bluesky passou por várias fases de desenvolvimento. O projeto começou a ganhar mais atenção pública em 2021 e, em 2022, uma versão beta foi lançada para testes restritos. Essa fase inicial permitiu que a equipe identificasse áreas críticas de melhoria, especialmente em termos de experiência do usuário e interoperabilidade com outras plataformas.
A proposta inicial era criar um protocolo de rede social descentralizado que pudesse operar independentemente do Twitter, permitindo maior liberdade para desenvolvedores criarem suas próprias versões de redes sociais.
Foi ainda em 2021, quando Dorsey começou a trabalhar ativamente no desenvolvimento do Bluesky como uma entidade separada, e ele oficialmente se distanciou da liderança executiva do Twitter, passando a focar mais intensamente em tecnologias descentralizadas, como o Bitcoin e o Bluesky.
Apenas em 2023 o Bluesky abriu sua plataforma para mais usuários por meio de convites, e rapidamente a rede começou a crescer, deixando eventualmente que qualquer um que desejasse tivesse acesso à rede.
Proposta de valor
Existem algumas características que fazem do Bluesky uma plataforma interessante da perspectivo de produto, a começar pela sua proposta de valor: indo na contração das demais como o X e até do próprio Instagram (que deixará de aceitar filtros criados por terceiros na plataforma), o Bluesky foi concebido como uma plataforma descentralizada e, para isso, criou o protocolo AT (Authenticated Transfer Protocol), que é a peça-chave de sua arquitetura. O que isso significa na prática?
— Descentralização efetiva: Ao contrário do antigo Twitter, que é uma plataforma centralizada onde os dados e o controle ficam nas mãos de uma única entidade, o Bluesky segue uma abordagem descentralizada. Isso significa que qualquer pessoa pode criar seu próprio "servidor" ou nó dentro do ecossistema Bluesky. Essa estrutura é semelhante à do Mastodon (outra plataforma que atua na mesa categoria), que também se baseia em uma rede de servidores independentes.
O protocolo AT do Bluesky tem como foco principal facilitar a interoperabilidade entre diferentes redes sociais. A ideia é que os usuários possam interagir com plataformas variadas que utilizam o mesmo protocolo, sem as limitações de um sistema fechado como o do X.
— Controle do usuário sobre o algoritmo: Um dos diferenciais mais interessantes é o controle oferecido aos usuários em relação ao algoritmo. Enquanto no X o algoritmo de exibição de conteúdo é centralizado e determinado pela empresa, no Bluesky os usuários têm a opção de escolher algoritmos personalizados para moldar a maneira como o conteúdo aparece em suas timelines.
Essa funcionalidade coloca mais poder nas mãos dos usuários e pode alterar a dinâmica da personalização da experiência do usuário, o que é um grande atrativo para quem quer bloquear de antemão determinadas pautas e perfis de usuários, ou até mesmo facilitar a conexão com outros por meio dos “Moots” (ou Mutuals), onde os usuários publicam palavras-chave em seus perfis com temas que julgam relevantes para fomentar que pessoas que compartilham deles possam se conectar.
Além disso, os usuários da rede tem como nome em seu perfil o sufixo “.bsky.social” que indica que esse é o domínio padrão da conta. O domínio é o que identifica um site na internet, tal como o "tudocelular.com" ou o "google.com". Na rede é possível usar domínios próprios para personalizar o nome de usuário e verificar a conta. Por exemplo, um jornalista pode usar o domínio do veículo de mídia para configurar o seu nome de usuário, como "@felipe.tudocelular.com". A utilização de um domínio próprio ou de um domínio de uma instituição confiável no nome de usuário do Bluesky pode demonstrar relevância e confiabilidade.
— Moderação descentralizada: O Bluesky propõe uma abordagem que combina moderação centralizada e descentralizada. Através do protocolo AT, usuários e administradores de servidores podem definir suas próprias políticas, mas ainda têm a possibilidade de acessar filtros e ferramentas oferecidos por terceiros para uma moderação mais flexível e customizável. Da parte de moderação centralizada, eles possuem equipe própria dedicada a fornecer cobertura contínua para manter nossas diretrizes comunitárias.
Network effect
Na tradução literal, o “efeito de rede” é um fenômeno econômico e social que ocorre quando o valor de um produto ou serviço aumenta à medida que mais pessoas o utilizam. Em outras palavras, quanto maior o número de usuários em uma rede, maior é o valor e a utilidade dessa rede para cada usuário individual.
No caso de uma plataforma como o Bluesky, temos um efeito de Rede Direto: ou seja, o valor da rede aumenta diretamente com o número de usuários. Quanto mais amigos entram, mais interações e conexões são possíveis, e mais conteúdo pode ser gerado nesse sentido.
Isso cria um ciclo virtuoso, considerando a arquitetura descentralizada que possivelmente incentiva não apenas a adesão de usuários finais, mas também a criação de novos produtos e serviços pelos desenvolvedores: quanto mais usuários atraem mais desenvolvedores, que, por sua vez, criam mais funcionalidades, aumentando a utilidade da plataforma.
O case Koo
Se os efeitos do banimento do X foram positivos para o Bluesky, para o Threads eles foram igualmente positivos: atualmente com quase 200 milhões de usuários ativos (abaixo do Twitter atualmente, que conta com 600 milhões) a rede da Meta já está mais a frente em termos de uso recorrente (já que conta com usuário bem engajados com o Instagram, especialmente após passar a exibir conteúdos que direcionam o usuário para o Threads).
Entretanto, nem tudo são flores: o case da rede indiana Koo, que fez um buzz inicial no Brasil (muito por conta do trocadilho de seu nome), chegou a 13,3 milhões de usuários no país em 2022, porém deixou de existir por conta de desafios financeiros (em especial, dificuldade na geração de receita) recentemente.
A força do Bluesky, hoje, reside no banimento do X. Apesar de aparentemente ter caído no gosto dos brasileiros, quando o antigo Twitter voltar a ficar disponível no país (o que é uma questão de tempo, já que o Brasil é estratégico na alavancagem da rede, e Musk sabe disso), o Bluesky precisa ter efetivamente entrado no cotidiano de seus usuários.
Apesar dos diferenciais da rede já destacados acima, duas importantes funcionalidades são as mais demandadas pelos usuários no Brasil (e o X já as possui): a possibilidade de publicar vídeos e os Trending Topics.
Isso quer dizer que a equipe de produto e desenvolvimento precisa correr contra o tempo para ao menos se equiparar ao rival, já que detalhes como esses podem ser determinantes para a manutenção de sua base de usuários.

A proposta do Bluesky é interessante do ponto de vista técnico: uma plataforma aberta convida mais desenvolvedores e profissionais mais técnicos a utilizá-la, mas isso de nada vale se o efeito network não colaborar: as pessoas querem estar onde os outros estão, e isso faz com que seja necessário buscar por formas de fidelizar seus atuais usuários que migraram com o banimento do antigo Twitter no Brasil.
Do ponto de vista de produto, o desenvolvimento de funcionalidades já presentes no X é apenas o ponto de partida para garantir isso: é necessário aproveitar seus diferenciais e explorá-los junto aos seus usuários (muitos deles mal sabem do que se trata uma plataforma decentralizada) para trazer diferenciais, além de buscar por estratégias de comunicação com grandes grupos de pessoas, influenciadores e marcas para que fomentem sua utilização. Capturar a atenção de seus usuários será um desafio crucial para assegurar o crescimento contínuo de seus usuários, e vamos conferir de antemão se a rede terá êxito nesse sentido.
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