Como o Mercado Livre venceu a Amazon na América Latina
Enquanto a Amazon replicava seu modelo global, o Mercado Livre tropicalizava o e-commerce. E venceu.
O Mercado Livre nasceu em 1999, em Buenos Aires. Dois anos depois já estava no Brasil, ao adquirir a iBazar, e começou a construir algo que a Amazon só tentaria muito tempo depois: uma operação pensada desde o início para os desafios da América Latina. A Amazon só chegou ao Brasil em 2012 vendendo livros. No México, apenas em 2015.
Timing importa. Mas aprendizado local importa mais.
Enquanto a Amazon apostava numa entrada cautelosa, o Meli se expandia agressivamente. Entrou cedo em países como Costa Rica, Panamá e República Dominicana, montou time local, investiu em branding e aprendeu com a fragmentação da região.
Foi forçado a resolver problemas reais: confiança, pagamento, entrega. E isso moldou sua maior vantagem competitiva.
Criou sua própria logística. Não terceirizou a dor.
Desde o início, o Mercado Livre entendeu que depender de terceiros seria uma armadilha. Então fez o que poucos fariam: construiu sua própria cadeia logística.
Hoje, sua operação logística no Brasil inclui:
10 centros de distribuição
109 centros de serviço regionais
Frota de 28.600 veículos, incluindo 1.300 elétricos
9 aviões próprios (Meli Air)
5.000 pontos de coleta em parcerias com papelarias e lavanderias (Kangu)
Em 2025, planeja operar 21 unidades de fulfillment no país, cobrindo inclusive regiões historicamente negligenciadas, como Norte e Centro-Oeste.
O objetivo é claro: entregar 80% dos pedidos em até 48 horas, com metade chegando no mesmo dia ou no dia seguinte.
Durante a pandemia, esse sistema foi determinante. O Meli dobrou sua participação no e-commerce brasileiro, saltando de 20% em 2020 para 40% em 2024.
Resolveu o dinheiro antes de vender o produto
Em um continente onde quase metade da população adulta não tem acesso pleno a serviços bancários, o Mercado Livre criou sua própria solução.
O Mercado Pago nasceu como um método de pagamento, mas virou um ecossistema financeiro completo:
Parcelamento sem cartão
Boleto bancário e Pix
Empréstimos via Mercado Crédito
Carteira digital com saldo em conta
Proteção antifraude e sistema de reputação
Em 2023, o Mercado Pago foi responsável por 44% da receita do grupo, com mais de 50 milhões de usuários ativos mensais. A empresa virou referência também em fintech.
Para muitos, a jornada digital começa pelo pagamento, e o Meli foi quem facilitou essa entrada.
Um ecossistema que se retroalimenta
O Mercado Livre não é mais apenas um marketplace. Cada produto novo reforça o anterior, reduz CAC, aumenta retenção e dificulta a saída.
Mercado Ads domina o retail media na região (acima de 55% de market share na América Latina)
Mercado Shops permite que lojistas montem lojas próprias na plataforma
Mercado Crédito financia vendedores e compradores
Kangu cuida da última milha com capilaridade nacional
Mercado Envíos é o motor logístico integrado
Na prática, o Meli se tornou uma Amazon regional, mas com mais integração vertical e sensibilidade cultural. Quanto mais o usuário consome, mais preso ao ecossistema ele fica.
Falou a língua do consumidor. Literalmente.
O aplicativo do Meli está instalado em 1 de cada 3 smartphones no Brasil.
Enquanto a Amazon apostava em modelos globais, o Mercado Livre construía relevância local. Adotou nomes de peso, esteve presente na TV aberta, virou patrocinador do estádio do Pacaembu.
Criou uma relação simbólica com o consumidor. Não parecia uma multinacional distante. Parecia alguém daqui.
Até no detalhe da tradução, o Meli foi estratégico: usa o Amazon Translate para automatizar traduções de produtos e facilitar a experiência dos sellers internacionais. Sim, o Mercado Livre usa tecnologia da Amazon para vencê-la.
A Amazon tropeçou onde não podia
A América Latina é complexa. Tributação confusa, logística cara, consumidores desconfiados, baixa bancarização. E a Amazon chegou tarde. Cautelosa. Sem pressa de entender.
Demorou para escalar logística. Adotou métodos de pagamento globais sem adaptação local. Ficou restrita ao Brasil e México por anos. Seu Prime demorou a engrenar.
Mesmo após investir US$ 3 bilhões no México, a empresa ainda enfrenta barreiras para competir de igual para igual.
Enquanto isso, o Meli investiu US$ 1,1 bilhão só em logística no México, automatizou armazéns com robôs e dobrou a capacidade aérea.
Os números contam a história
Além disso:
O volume de vendas do Meli é 2x maior que Magazine Luiza
3x maior que Shopee
4x maior que Amazon
Em 2023, o Meli superou a Petrobras e se tornou a empresa de capital aberto mais valiosa da América Latina: mais de 100 bilhões de dólares em valor de mercado
O jogo continua
A Amazon tem recursos. Tem tecnologia. Tem marca. Analistas dizem que, se ela decidir competir pra valer, pode virar o jogo. Mas o Meli não espera.
Segue investindo em infraestrutura, automatizando operações, reduzindo prazos e fortalecendo seu ecossistema. Seu diferencial hoje é inércia estratégica: o tempo está do seu lado.
Excelente análise, Chiodi!
Que análise booooa! Esse ponto de logística hoje inclusive é bem visível. Enquanto na Amazon precisa de uma assinatura para ser cliente prime e ter frete e tempo menor de entrega, Meli alia isso a pedido mínimo e com prazos hoje já melhores de entrega. E a assinatura da Meli, além dos benefícios olhando logística que abaixa o valor mínimo de compra do full, da pra considerar que compensa a diferença do valor de carrinho, ainda mais por virar uma assinatura recorrente, uma vez no Meli, difícil sair. Pô, vou reforçar, que artigo booom!
Sem falar que no prime (não sei se é meu CEP 🤣), mas hoje dão um prazo maior, 4-5 dias, mesmo que chegue no dia seguinte, talvez a instabilidade de ser logística de terceiros?