Grupo Trigo e o case de fidelidade voltado ao foodservice
Como as marcas Spoleto, China in Box, Gendai e outras começaram a utilizar programas de fidelidade?
Uma máxima da área do marketing é de que o custo de manter um cliente é consideravelmente menor do que converter um novo. Alguns estudos, inclusive, mostram que um aumento de 5% na retenção de clientes pode levar a um crescimento dos lucros de uma empresa de 25% a 95% ao longo de um período determinado.
Outros, ainda apontam que o custo para conquistar um novo cliente pode chegar a ser 25 vezes mais caro do que manter um existente.
Um cliente fidelizado pode, além de continuar a contribuir com o faturamento de uma empresa, também fornecer feedbacks valorosos para o desenvolvimento de novos produtos e serviços, além de possivelmente indicar sua marca para conhecidos (77% dos consumidores ficam mais predispostos a comprar quando a descoberta do produto ocorre por indicação de alguém conhecido).
Entretanto, quando considerarmos um setor tão volátil como o do foodservice, ou seja, restaurantes e estabelecimentos semelhantes que preparam refeições para serem consumidas fora de casa, a aplicação prática de um sistema de fidelidade pode ser um grande desafio.
Sendo assim, separamos um case do Grupo Trigo (holding brasileira que controla as marcas franquias China in Box, Spoleto, Gendai, Koni, ASA Açaí e LeBonTon, além das marcas próprias Gurumê, Pizzaria Spoleto e 2V Deli & Conveniência) que exemplifica de forma detalhada e completa como foi o processo de criação, maturação e expansão de seu programa de fidelidade que atualmente serve como referência para o setor a nível nacional.
O início de tudo: o Koni de Dourados/MS
O Koni é uma rede de franquias de restaurantes fast-food especializado na culinária japonesa, mais conhecido por seus temakis, sashimis e yakissoba.
Em 2017, o então analista de trade marketing, Gustavo Lacerda, atuava com um escopo um tanto quanto complexo em seu dia a dia: além de apoiar no reforço dos produtos presentes no cardápio da rede, também apoiava no treinamento do público interno (considerando vídeos e guias) e no rebranding pelo qual a marca Koni passava na época.
Além das responsabilidades acima, uma também estava sob gestão da área: o programa de fidelidade. Na época, o programa era diferente dos demais presentes nas marcas de restaurantes do grupo Trigo (inclusive levando em consideração KPIs distintos também), e como sua gestão era apartada com outras responsabilidades dentro da área de marketing, acabava não sendo priorizado internamente.
Isso mudou até que, mais tarde no mesmo ano, quando os resultados de uma unidade Koni na cidade de Dourados – MS, passou a exibir resultados bem acima da média nacional:
De outubro de 2017 a março de 2018, o FAT cresceu em 68% na unidade de Dourados. A partir desse cenário, Gustavo e a equipe de marketing foram entender o que exatamente estava acontecendo naquela unidade e como replicar os resultados alcançados nos demais restaurantes.
Recorrência e reestruturação
O entendimento do motivo do programa funcionar em uma unidade Koni específica pode parecer simples, mas igualmente importante: recorrência. Quando o cliente entrava no restaurante, era solicitada a sua identificação pela equipe.
Um ponto de suma importância foi justamente o treinamento e reforço junto à equipe operacional: essa mera menção do programa a todos os consumidores que entrassem no restaurante, inclusive os novos clientes, ao mesmo tempo que despertava a lembrança de manter o programa ativo para os mais habituais, apresentava para os novos.
Na prática, isso gerava dados valiosos em relação aos comportamentos e hábitos de todos que passavam por lá. Dessa forma, o modelo era retroalimentado automaticamente, permitindo a abertura de canais de comunicação por meio do CRM (Customer Relationship Management), visando aumentar o LTV (Lifetime Value) e Ticket médio dos mesmos.
Entender os itens comprados com recorrência para entrar em contato via WhatsApp, E-mail ou SMS em dias e horários já previamente considerados, pode fazer com que a chance de um contato com êxito, que resulte na compra pelo cliente, aumente consideravelmente.
Ao avaliar esse cenário, a própria área de marketing do Grupo Trigo foi revisitada para que pudesse ser mais efetiva em relação ao seu escopo de atuação.
Mas, é claro, não era apenas esse um dos motivos do sucesso do restaurante em Dourados: outro ponto tão importante quanto foi o foco.
O escopo da área de marketing apresentado na introdução desse texto era muito robusto: com muitas iniciativas distintas acontecendo simultaneamente, era difícil para o franqueado (e o próprio cliente) acompanhar tudo com o mesmo grau de atenção e dedicação.
Sendo assim, foi decidido por dar ênfase apenas no programa de fidelidade para alcançar as marcas já ressaltadas. Ao avaliar esse cenário, a própria área de marketing do grupo Trigo foi revisitada em relação ao seu escopo de atuação.
Aprendizado e construção
Como isso foi feito, exatamente? Através de três passos para capitalizar e expandir o programa de fidelidade:
Passo 1: Estruturar
Criação de uma nova área dentro do Grupo Trigo com o foco específico no programa de fidelidade, onde um dos líderes do projeto era o próprio Gustavo (hoje, gerente das áreas de Fidelidade, CRM e Pesquisas). A atribuição de papeis e responsabilidades serviu como apoio nesse sentido.
Passo 2: Organizar
Mapeamento de causa e efeito, com proposta de soluções. Mais do que apenas registrar os indicadores, o intuito com essa etapa foi o de identificar, ativamente, as correlações dentre as ações adotadas e os indicadores mapeados que foram efetivamente alterados.
Passo 3: Aplicar
Aplicação em diferentes unidades Koni na região do Distrito Federal (DF) de forma a criar parâmetros de comparação para efetivamente entender quais ações adotadas causaram efeito (e como).
Também foi implementada uma nova comunicação visual ao programa de fidelidade, renomeado de “Fidelidade Koni” (e atualmente chamado de “K+”) para facilitar a identificação tanto por parte dos clientes quanto dos franqueados.
Isso incluiu a revisão dos materiais do PDV e o desenvolvimento de reconhecimento de times operacionais, passando a serem chamados individualmente de “Embaixadores fidelidade” e participando de treinamentos e encontros direcionados para tratar sobre o programa, capacitando a todos de forma estruturada.
O Gustavo também cita que foi estabelecido uma estratégia omnichannel. O programa de fidelidade passou a ser integrado ao sistema de vendas como um todo, possibilitando aos clientes acessarem o programa via aplicativo, totem e diretamente na própria loja para que todos pudessem pontuar por meio de uma experiência fluída, considerando diferentes touch-points.
Detalhamento das novas réguas de CRM, acompanhando as estratégias do novo programa de fidelidade
Por consequência, foi necessário adaptar as réguas de CRM de acordo com as atualizações que foram feitas. O modelo acima demonstra do momento de compra do cliente até o cenário de dois meses seguintes sem o retorno para a realização de uma nova interação.
Qual a meta estipulada para a nova estratégia adotada?
Com todas as readequações realizadas, naturalmente a expectativa da própria “Área X” foram alteradas. Foi necessário identificar um parâmetro que norteasse todas as atividades realizadas, e nesse momento, foi adotada a métrica-chave “Estrela Guia” (ou North Star, no original).
Em essência, a métrica Estrela Guia é a bússola que orienta as decisões estratégicas e táticas de uma empresa. E, no caso do Grupo Trigo, ela foi estipulada em “40% dos pedidos realizados terem relação com o programa de fidelidade.”
Para se ter uma referência, o programa do Starbucks (considerado referência internacional no setor de foodservice) chega a 48%. A meta do Grupo Trigo era extremamente ousada e significou que seria necessário revisar as tomadas de decisões.
Em apenas seis meses, todas as ações adotadas reverberam de forma extremamente positiva: o número de pedidos identificados saiu de 17% para 42%. Enquanto isso, restaurantes de alta performance mais que dobraram: de 15 para chegar a marca de 40 ao todo.
Em paralelo, a base de clientes deu um salto de em torno de 6.500 para os impressionantes 83.000. É um case que deve ser estudado não só pelo setor de foodservice, mas para qualquer organização que vise passar a estruturar seu próprio programa de fidelidade.
O futuro de CRM no Grupo Trigo
Em apenas 6 meses, as marcas foram notáveis, e como consequência a antiga “Área X” passou a não mais ficar com o escopo de CRM, mas sim do growth: ou seja, estratégias adotadas especificamente para mover alavancas de negócios previamente estabelecidas (tanto com ações de marketing quanto de diversas outras áreas especializadas).
Atualmente, a área que começou de forma tímida há alguns anos passou a incorporar quase 100 pessoas voltadas ao comportamento de seus clientes, e o formato do programa de fidelidade passou a incorporar todas as marcas por meio do formato de cashback.
A máxima estabelecida foi de que a “fidelidade como ecossistema de dados”, contando com as áreas de expertise:
CRM
Pesquisa
Mídias
Delivery
CX
Marketing
Data Analytics
Como resultado, o Grupo Trigo possui a marca de mais de 7 milhões de clientes únicos, sendo que 50% desses pedidos são identificados.
Escopo Spoleto
Considerando clientes do programa Mio Spoleto, entre o período de agosto de 2022 a julho de 2023, foi possível observar a mudança nos indicadores de performance entre clientes que não resgatam seu cashback e clientes que efetivamente fazem seu resgaste.
Enquanto a frequência de retorno de clientes que não resgatam tem a média de 175 dias sem voltar, os que resgatam voltam aproximadamente a cada 25 dias. Mais do que isso, o próprio LTV dos que resgatam é de R$ 282,00, enquanto dos que não resgatam é de apenas R$ 49,00.
Em um contexto onde 71% dos consumidores brasileiros precisaram trocar de marca nos últimos meses por conta da inflação, a abordagem focada na fidelização por meio da experiência e estimulo a gatilhos positivos parece sem bem acertada.
O Gustavo também divulgou alguns insights valiosos compartilhados por diferentes levantamentos e consultorias em relação ao comportamento de clientes finais de programas de fidelidade.
Essas informações são catalisadoras para que seja possível entender o potencial de mercado a partir de diferentes segmentos e trazer visibilidade em relação a como é possível interagir com os consumidores de formas proativas e efetivas.
Tendências de negócios no Grupo Trigo
Tanto a popularização interna do Grupo Trigo na adoção e aperfeiçoamento de programas de fidelidade e de CRM como todo, quanto a cultura da empresa passaram a ser alterada.
Se antes algumas áreas só viam indicadores simples como faturamento, ticket médio, preço de suprimentos e outros, sem um olhar atendo a dados, agora as informações passam a ser mais aprofundadas. Hoje, são levadas em consideração: ticket médio de clientes específicos, tempo de compra, recorrência, entre outros. Esses novos indicadores passaram a ser amplamente considerados por praticamente todos os colaboradores do Grupo.
Diversas áreas passaram a ter uma visão mais aplicada a negócios. O marketing, por exemplo, que antes lidava majoritariamente com branding, passou a aplicar insights e conhecimentos obtidos através do Fidelidade.
Mas, os impactos vão além da cultura em si. O uso de Inteligência Artificial é um dos próximos passos estratégicos que estão sendo levados em consideração, com o objetivo de utilizá-la no cotidiano pela equipe administrativa.
O desafio mapeado é de como o uso dessa tecnologia pode otimizar o dia a dia da equipe, a fim de aprimorar a performance da empresa. Por conta disso, o grupo Trigo está implementando uma IA interna par auxiliar os processos e fluxos diários dos times.
Como? Ao invés de buscar uma informação em uma plataforma de DataViz (como o Power BI, Tableau e tantos outros), qualquer um pode solicitar informações via IA para consulta de dados. A palavra-chave aqui considerada é a democratização de dados na empresa para uso interno.
Já para uso do cliente final, atualmente a empresa é mais cautelosa com o uso de IA. Ainda estão buscando por um nível de maturidade para checar como será o contato com o consumidor de forma a não terem problemas em relação a intepretação de informações e assertividade nas mensagens trocadas.
Outro ponto importante nos planos da empresa são os programas de relacionamento. Atualmente, muitos consumidores têm a impressão de que os programas presentes em seus restaurantes (como o Spoleto, por exemplo) tem perfil apenas transacional, no sentido de comprar um prato e ganhar um percentual de desconto no próximo.
Entretanto, os programas possuem benefícios divididos em duas categorias: benefícios transacionais (desconto em pratos, cashback etc), e benefícios emocionais (surpresas, mimos, surpresas etc).
Em relação a categoria de benefícios emocionais, atualmente a organização acredita que não os expõe de forma suficientemente ampla. Existem ações como jantares exclusivos com os top 10 fidelidade do restaurante e até encontros para degustação de pratos ainda sendo testados, entretanto não são divulgados.
Talvez se mais clientes soubessem que existe algo nesse sentido, teriam mais estímulos para efetivamente ir aos restaurantes e consumirem mais, por exemplo.
Outro aspecto sendo trabalho é o de tornar a experiência mais gamificada, especificamente para marca Spoleto. A criação de uma jornada de pontos está sendo elaborada, onde os clientes poderão realizar diferentes ações com o objetivo de ganhar pontos, além da compra em si.
Por exemplo: quando alguém realiza uma compra, automaticamente já ganha cashback e recebe SMS com pesquisa para avaliação. Entretanto, e se os pontos puderem estimular as pessoas a responderem a pesquisa de satisfação?
E se o cliente, ao comprar brindes colecionáveis, também receber pontos?
Existe possibilidade de estimular a interação de diferentes formas com a marca, que podem trocar seus pontos por meio de experiências pontuais, orgânicas e dinâmicas.
Desde trocar o avental do Spoleto a itens de cozinha de forma geral, além de experiências como participação em jantares e degustação.
Por fim, vale mencionar a busca por reforço da marca do Grupo Trigo em geral: a estruturação de um aplicativo do Grupo.
Contendo as diferentes franquias, é uma forma de contar com dados primários de qualidade contanto com a experiência do começo ao fim por parte do consumidor final, desde a busca por pratos até a avaliação do entregador de delivery.
Além disso, existe a oportunidade de contar com o consumidor durante diferentes etapas de sua jornada e momento. Exemplo: caso ele queira um pedido para consumo individual de um japonês, ou um pedido de comida italiana para toda a família. Por meio de um aplicativo integrado, é possível mapear essas diversas possibilidades e buscar por oportunidades de negócio com base nelas.
A nossa newsletter é gratuita e o que nos motiva escrever é ajudar com conteúdo como este, as pessoas. Se gostou, compartilhe com seus amigos e na sua rede social.
Se quiser compartilhar via WhatsApp, clique no botão abaixo…