IA para o consumidor ou o investidor?
Pensamento crítico é essencial para avaliação de aplicabilidade da tecnologia a quem realmente enxerga valor na cadeia: o usuário.
A algum tempo atrás ouvi o episódio 548 do Braincast, onde dentre diversos assuntos interessantes abordados, o que mais me chamou a atenção foi como se proliferaram todo tipo de produto, serviço e plataforma que embarcam “inteligência artificial” de alguma forma.
Inteligência artificial: um conceito abrangente
Antes de mais nada, é essencial entendermos a fundo o uso do termo IA: recentemente ele foi popularizado por conta da IA Generativa, ou seja, ela não apenas analisa ou classifica dados, mas gera algo novo como textos, imagens, vídeos, músicas, códigos de programação etc).
A IA por si só já é usada a algum tempo para executar tarefas baseadas em classificação, previsão, otimização ou automação: Carros autônomos (Tesla Autopilot, Waymo) e sistemas de pontuação de crédito (Serasa, Nubank) são só alguns exemplos nesse sentido.

Ou seja, a inteligência artificial não se limita à IA generativa: ela abrange diversas abordagens com aplicações diferentes. Na imagem acima divulgada pela Gartner no artigo “When Not to Use Generative AI”, os diferentes usos aplicáveis foram divididos em:
Optimization
Usada em problemas logísticos, supply chain, finanças, etc.Simulation
Muito comum em indústrias, engenharia, previsão de demanda.Rules/heuristics
Aplicações tradicionais baseadas em lógica determinística.Nongenerative machine learning
Modelos preditivos clássicos (ex: regressão, decision trees, SVM).Graphs
Representações de relações, úteis para redes sociais, cadeias de suprimentos, etc.
IA Generativa é apenas uma das práticas, e está destacada em laranja, como:
Generative models — One out of many AI practices
Ela é relevante, mas não é o centro do universo da IA.
Entretanto, não é apenas a confusão do termo usado pelo grande público um problema recorrente: é a falta e visibilidade de como (e se) a tecnologia é utilizada pelas organizações que buscam aproveitar esse hype.
“AI Washing”
Entretanto, tem muito "Then, if..." sendo vendido no mercado como IA, visando aproveitar a atenção que o termo acabou despertando pelo grande público, e é ai que temos o primeiro problema: tecnologias extremamente simplificadas sendo chamados de IA (chatbots de atendimento com respostas fixas, Plataformas de análise de dados com dashboards que são meramente BIs, apps fitness que sugerem treinos entre diversos outros).
Um case mais popular foi o da tecnologia "Just Walk Out" da Amazon, que chegou a estar presente metade das lojas Amazon Fresh, era na verdade monitorado por mais de 1.000 funcionários na Índia para assistir e etiquetar vídeos a fim de garantir o processamento assertivo das compras.
A solução, que parecia totalmente automatizada, na prática transferia o trabalho dos caixas para uma equipe remota.
Esses exemplos mostram que “chamar algo de IA” não significa que realmente há inteligência envolvida. Muitas vezes, é apenas automação ou regra de negócio com nome sofisticado, e para esse tipo de situação o termo “AI Washing” foi popularizado visando destacar essa prática: uma analogia direta ao "greenwashing", no qual marcas afirmam serem sustentáveis sem de fato adotarem práticas ecológicas.
Mas muito além de vender o que não se é, casos tão ruins quanto são organizações que querem introduzir IA a todo custo dentro de seus produtos.
Os investimentos em busca de hegemonia
De acordo com os balanços divulgados no início do, Amazon, Microsoft, Google e Meta devem investir, juntos, U$ 320 bilhões até o final de 2025. Esse investimento é consideravelmente menor do que o investido em 2024, em que foram gastos U$ 246 bilhões nos seus esforços para construir data centers, adquirir chips de IA e/ou expansão da capacidade de computação em nuvem para alimentar modelos de linguagem.
Está claro que, para investidores, IA significa potencial de crescimento exponencial, vantagem competitiva e valuation elevado. Startups que afirmam ter um “modelo proprietário” frequentemente se beneficiam de rodadas de investimento mais generosas, mesmo quando sua base tecnológica ainda está em estágio embrionário.
Esse incentivo financeiro acaba criando uma dinâmica em que o discurso tecnológico é moldado para agradar o investidor, e não necessariamente para resolver dores reais do mercado. A consequência? Produtos que encantam no pitch, mas decepcionam no uso.
Quem tweeta de uma geladeira?
Em partes, isso me lembra as “geladeiras inteligentes” de empresas como Samsung e LG do começo dos anos 2010, que contavam com conexão ao Wifi e acesso a diferentes sociais, como Twitter.
É um caso claro de busca de trazer algum valor da tecnologia pela tecnologia em si, sem aderência real com o usuário. Por conta disso, o investimento alto as vezes não se justifica a longo prazo.

Reforço aqui que o progresso da Inteligência Artificial é sem precedentes, e que não só pode como deve ser explorada pelas empresas visando automatizar processos, trazer mais agilidade para tomada de decisão e alavancar oportunidades com mais assertividade, apenas para citar alguns dos seus benefícios.
O que devemos levar em consideração, especialmente como profissionais da área de produtos digitais, é efetivamente qual o valor real que é adicionado pela tecnologia ao ser adicionada a jornada do usuário: A pergunta central, portanto, não é apenas “a empresa usa IA?”, mas sim: essa IA resolve um problema real? Melhora a experiência? Reduz um custo significativo? Otimiza algo que era manual?
Quando a resposta é sim, a IA está cumprindo seu papel. Por outro lado, quando a IA serve apenas para justificar múltiplos de receita e narrativas de disrupção sem sustentação prática, ela se transforma em um artifício financeiro, não em uma inovação de verdade.
Quando não utilizar IA?
Em um artigo do ano passado da Gartner, foi abordada uma forma interessante para entender se existe fit entre determinado produto/jornada com IA. Considerando que o uso inadequado da IA generativa pode comprometer os resultados e aumentar a complexidade dos projetos de forma desnecessária, especialmente quando aplicada a casos de uso inadequados, é interessante considerar alguns fatores em consideração para tomar decisões assertivas.
Eles recomendam mapear se o caso de uso em questão tem relação a forma como ela poderá ser aplicada, considerando uma das respostas abaixo para esse tipo de questionamento:
Altamente útil: geração de conteúdo, interfaces conversacionais, descoberta de conhecimento.
Moderadamente útil: segmentação/classificação, sistemas de recomendação, percepção, automação inteligente, detecção/monitoramento de anomalias.
Pouco útil: previsão/forecasting, planejamento, inteligência de decisões, sistemas autônomos.
Vale lembrar, ainda, que a IA Generativa também pode não ser adequada para o caso de uso em questão se os riscos envolvidos forem inaceitáveis e não puderem ser mitigados de forma eficaz (o que pode representar uma parcela menor, nesse caso).
Esses riscos incluem resultados não confiáveis, privacidade de dados, propriedade intelectual, responsabilidade legal, cibersegurança e/ou conformidade regulatória.
Importante reforçar: isso não significa não experimentar e testar a inteligência artificial à partir de diferentes hipóteses levantadas junto ao público-alvo em questão, só vale a atenção extra antes de revisar todo o road-map de seu produto para que seja direcionado a incorporação de alguma inteligência artificial sem o devido feed-back e embasamento prévio.
Testes, mais do que nunca, são necessários para que seja possível checar se a utilização realmente ajuda na diminuição de custos, maior agilidade para resposta de adaptação e consequentemente aprimoramento na experiência do cliente/usuário.
Por fim, vale ressaltar a adaptação de um famoso provérbio:

Pensamento crítico é um diferencial no uso da adaptação de uma tecnologia está em alta (como AI): há uma tendência de tentar aplicá-la em qualquer situação (mesmo nas que não são apropriadas).
IA não é fim, e não o meio. E se esse meio não servir ao consumidor, dificilmente sustentará o entusiasmo do investidor por muito tempo.
Você sabia que para Product Managers, IA é a habilidade mais importante para se aprender em 2025 e 2026?
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Reflexão muito interessante. Realmente muitas empresas estão embarcando nessa de IA sem analisar se o que vai entregar de fato ao cliente é algo útil.