Nubank em “Modo Fundador"
A fintech que virou gigante tenta resgatar a agilidade de startup ao centralizar decisões nas mãos de David Vélez, achatar a hierarquia e acelerar a expansão global com IA no centro da estratégia.
Após alcançar 118 milhões de clientes e dominar o mercado de bancos digitais na América Latina, o Nubank faz um movimento raro para empresas em estágio avançado: reverter a hierarquização, centralizar decisões e acelerar a execução sob liderança direta do fundador. O que começou como uma reorganização interna se transformou em um experimento ousado de gestão.
David Vélez, CEO e cofundador, está operando em Founder Mode (Modo Fundador): um estilo de liderança conhecido por ser obsessivo, prático e, acima de tudo, ágil. Essa abordagem, mais comum em startups do que em empresas públicas com capital aberto, vem acompanhada de um achatamento organizacional e de uma ambição explícita de transformar o Nubank em uma plataforma global de tecnologia financeira, com IA como peça central.
A decisão levanta um dilema estratégico: será possível escalar uma estrutura centrada no fundador, sem comprometer governança, sustentabilidade e autonomia dos times?
Quando a hierarquia começa a atrasar a execução
Segundo o próprio Vélez, o Nubank havia se tornado “muito verticalizado”. Em algumas áreas, a estrutura tinha até 14 níveis hierárquicos. A consequência era previsível: desaceleração da execução, excesso de burocracia e perda de dinamismo. Para uma empresa que mira dezenas de países e centenas de milhões de usuários, essa lentidão virou um risco existencial.
O remédio veio em forma de mudança drástica:
Redução pela metade nos níveis de gestão.
Substituição de executivos seniores.
Vélez passando de 8 para 15 subordinados diretos.
Revalorização de cargos de contribuição individual em vez de gerência.
Não houve demissões em massa. Mas houve realocação e quebra de hierarquia formal. Abaixo, o resumo da reestruturação:
IA como infraestrutura invisível: produtividade com menos pessoas
A inteligência artificial deixou de ser iniciativa paralela para virar parte central da estratégia operacional. Segundo a empresa:
30% dos códigos e 50% do atendimento já contam com IA.
Ferramentas de IA atuam também em jurídico, compliance, risco e design.
O custo médio por cliente ativo permanece em US$ 0,70/mês.
O índice de eficiência chegou a 24,7% no 1T25.
Esses números indicam um modelo de crescimento que não depende do aumento proporcional de headcount. Em vez disso, a IA sustenta escala com custos controlados. A aquisição da Hyperplane e o projeto do AI Private Banker reforçam o posicionamento do Nubank como empresa “AI-first”.
Mais do que cortar custos, o objetivo é reorganizar o trabalho humano em torno do que a IA não consegue fazer sozinha: estratégia, design de produto, decisões complexas.
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O mercado tolera velocidade, mas teme improviso
A mudança de estrutura e a saída de executivos como Youssef Lahrech (COO) e Jag Duggal (CPO) geraram ruído no mercado. As ações do Nubank (NU) chegaram a cair 2% após os anúncios.
A saída da Berkshire Hathaway, acionista de longo prazo, reforçou o desconforto. Mesmo com bons resultados no trimestre, analistas expressaram dúvidas:
O Barclays elevou o preço-alvo para US$ 16.
O JPMorgan manteve “overweight”, mas cortou a meta para US$ 13.
O Citi manteve recomendação de venda.
Essa ambiguidade revela um dilema clássico: investidores de crescimento veem potencial. Investidores de valor veem risco. A centralização extrema soa ousada para uns, e instável para outros. O Nubank precisa equilibrar ambos os lados, e manter consistência na narrativa para que as ações não oscilem mais do que os fundamentos justificam.
Nem tudo é execução, a narrativa também precisa de atenção
Parte da confusão veio da comunicação. Quando surgiram rumores de que o Nubank havia “demitido metade dos gestores”, a empresa demorou a esclarecer. Vélez reconheceu que “a comunicação poderia ter sido melhor”.
Em um cenário de alta volatilidade e presença em bolsa, a percepção pode impactar mais do que o fato em si. Um achatamento hierárquico pode ser lido como ganho de eficiência ou como sinal de crise, dependendo do enquadramento.
O Nubank corrigiu a mensagem:
“Não houve demissões, estamos realocando talentos para focar em execução.”
Mas o episódio revela o quanto empresas tech precisam evoluir sua comunicação estratégica na mesma velocidade da execução.
Menos camadas, mais entrega: o que muda na prática dentro do Nubank
A reestruturação do Nubank serve a três ambições estratégicas:
Velocidade de execução
Racionalização da estrutura.
Empowerment de ICs técnicos.
Produtos mais rápidos no mercado.
Escala internacional
Crescimento no México e Colômbia.
Licença bancária conquistada no Nu México.
Observação de mercados como Argentina.
Reforço no alto escalão
Contratações C-level planejadas.
Entrada de Roberto Campos Neto como VP do conselho e líder de políticas públicas.
Essas frentes são interdependentes. A velocidade alimenta a expansão; a expansão exige talentos globais; os talentos precisam de uma estrutura leve e decisões rápidas. Tudo isso com IA no centro.
A nomeação de Roberto Campos Neto, ex-presidente do Banco Central, como vice-presidente e chefe global de políticas públicas, é um movimento que transcende a governança interna. Ele representa o reposicionamento institucional do Nubank como um ator macroeconômico e regulatório global.
Com atuação prevista em políticas públicas e expansão internacional, Campos Neto:
Traz legitimidade junto a reguladores.
Complementa a visão macro do negócio.
Preenche uma lacuna interna, segundo o próprio Vélez.
A presença de Campos Neto prepara o Nubank para os desafios institucionais de operar em múltiplos países com produtos financeiros regulados, uma etapa inevitável na transição de fintech para plataforma global.
Traduzindo: o Nubank deixa de ser só uma fintech. Está se reposicionando como plataforma tecnológica de serviços financeiros, regulada globalmente, impulsionada por IA.
Fundador como alavanca ou gargalo?
Vélez está fazendo o que poucos fundadores fazem depois do IPO: voltar a operar com intensidade, quebrando protocolos corporativos para recuperar tração. Mas a grande dúvida permanece: será possível manter isso escalável?
Com 15 diretos, ele corre risco de virar gargalo. Com cultura excessivamente centrada nele, o Nubank pode travar em sua ausência. O desafio, portanto, não é só acelerar. É acelerar sem perder redundância de liderança e sem comprometer governança.
As próximas contratações no C-Level serão decisivas. Se o Nubank conseguir formar um time capaz de escalar a visão de Vélez, em vez de apenas executá-la, o experimento poderá dar certo. Mais que isso: poderá oferecer um modelo alternativo de liderança para empresas em transição entre startup e gigante global.
Se falhar, o Nubank corre o risco de ser rápido demais onde precisava ser estável, e centralizado demais onde precisava ser distribuído.
Mas se der certo, redefine o playbook de como escalar com velocidade, visão e controle.
Quer saber mais sobre Founder Mode? Ouça o nosso episódio com Joca Torres, Renata Gagetti e Fabio Duarte sobre esse modelo de gestão.
Founder Mode: A nova polêmica do mundo das startups e liderança | Sem Crachá 5
Neste episódio especial do Sem Crachá, debatemos o conceito controverso de "Founder Mode", um estilo de liderança onde o fundador da empresa se mantém profundamente envolvido nas operações, mesmo com o crescimento da organização.
Excelente "reportagem". Parabéns!