A startup que prometia substituir desenvolvedores com IA agora é exemplo de como o excesso de promessa, má gestão e governança frágil criam um terreno fértil para a implosão.
Fundada em 2016 com a missão de “democratizar a criação de software”, a Builder.ai vendeu um sonho: permitir que qualquer pessoa criasse aplicativos complexos sem escrever uma linha de código. Essa visão, embalada por um assistente virtual chamado Natasha, gerou manchetes, atraiu mais de 450 milhões de dólares em investimento e levou a startup a uma avaliação estimada de 2,1 bilhões de dólares.
Em maio de 2025, a empresa declarou insolvência. Um credor confiscou 37 milhões de suas contas. Restaram 5. O que parecia ser o futuro do desenvolvimento de software virou estudo de caso sobre o que acontece quando a retórica supera a realidade operacional.
Como uma promessa de “app em minutos” virou um unicórnio de US$ 2 bilhões
A trajetória da Builder.ai foi alavancada por nomes de peso. A Microsoft, a Qatar Investment Authority (QIA) e fundos como Insight Partners, Jungle Ventures e SoftBank injetaram capital apostando na promessa de uma plataforma “no-code” alimentada por inteligência artificial.
Em 2023, a empresa arrecadou 250 milhões de dólares em uma rodada liderada pela QIA, após já ter levantado 100 milhões em uma série anterior. A promessa era clara: “tornar a construção de software tão fácil quanto pedir uma pizza”. Natasha, a IA personificada da plataforma, atuava como PM virtual, interpretando ideias e gerando aplicações com base em módulos reutilizáveis, os “Building Blocks”.
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Mas havia um detalhe oculto: boa parte do código ainda era produzido manualmente por engenheiros humanos, muitos deles baseados na Índia. O marketing vendia autonomia total da IA. A prática dependia de força de trabalho intensiva.
O que não aparece nos decks: vendas infladas, dívida com big techs e caixa evaporando
A fachada começou a rachar quando, no início de 2024, a empresa revisou sua receita de 2023 para baixo: 140 milhões de dólares, após desempenho fraco de revendedores no Oriente Médio. Em seguida, cortou 25% da projeção para o segundo semestre. Ex-funcionários denunciaram inflação de números de vendas superiores a 20%.
A Builder.ai devia 85 milhões para a Amazon e 30 milhões para a Microsoft. Em outubro de 2024, recebeu uma linha de crédito de 50 milhões. Em março de 2025, restavam 7.
O fundador Sachin Dev Duggal, conhecido como “Chief Wizard”, saiu do cargo de CEO no início de 2025, mas permaneceu no conselho. Foi substituído por Manpreet Ratia, sócio da Jungle Ventures, que encontrou a empresa já em estado crítico. Durante uma call com os funcionários em 20 de maio de 2025, Ratia afirmou:
“Estávamos operando com zero dólares nas contas bancárias dos EUA e Reino Unido. Os fundos em Singapura destinados a salários também foram congelados.”
IA de fachada: entre o marketing e a realidade
O maior ruído da Builder.ai não estava em sua tecnologia, mas no descompasso entre o que era prometido e o que de fato era entregue.
O produto girava em torno de Natasha, apresentada como a primeira gerente de produto de IA do mundo. A promessa era sedutora: bastava conversar com a IA, descrever seu projeto e ver o aplicativo sendo construído automaticamente, usando blocos pré-programados e automação inteligente. Nenhuma linha de código. Nenhum engenheiro.
Só que havia engenheiros. Muitos.
A investigação do Wall Street Journal, ainda em 2019, já alertava: a suposta IA era apenas uma fachada. A maior parte do trabalho era realizada manualmente por times de engenharia humanos, terceirizados e sub-remunerados. A piada amarga entre investidores, “AI: Actually, Indians”, não era apenas um deboche xenofóbico, mas um reflexo do modelo de operação oculto.
A própria Builder.ai foi forçada a mudar o discurso ao longo dos anos. Saiu da narrativa de “tudo é IA” para uma retórica mais ambígua: uma “amálgama entre IA e humanos”. Mas o estrago já estava feito. A empresa passou a ser vista com desconfiança, especialmente por clientes que, ao usar a plataforma, descobriam que era necessário bem mais do que clicar e esperar um app pronto. Era preciso alinhar com humanos, fazer reuniões, resolver bugs. Exatamente como em qualquer outro projeto de software.
O design da experiência escondia a complexidade. A analogia de “montar blocos de LEGO com IA” era conveniente para o pitch, mas irrealista na prática. Criar software escalável, seguro e funcional vai muito além da montagem modular. É arquitetura. É contexto. É engenharia de verdade.
Mesmo quando a empresa tentou se explicar, citando que a IA ajudava a selecionar os blocos corretos e automatizar partes do fluxo, a base da operação continuava humana. O que foi vendido como revolução era, na verdade, uma estrutura operacional tradicional camuflada com uma interface de IA.
Esse desencontro entre promessa e realidade corroeu a credibilidade da empresa. Em um mercado já saturado de buzzwords e soluções mágicas, a Builder.ai empurrou a ilusão até o limite. E cruzou.
Mais do que um erro técnico, foi um erro ético. Vender IA quando se entrega força de trabalho humana é enganar o investidor, o cliente e o próprio time.
Quando um credor aperta o botão
A ação da Viola Credit, credora da linha de crédito de 50 milhões, precipitou a queda. O confisco de 37 milhões de dólares inviabilizou qualquer operação de curto prazo. A empresa entrou com pedido formal de insolvência.
Mais de mil funcionários foram demitidos. Parte deles foi cortada já no início de 2025, quando 270 pessoas (35% da equipe) deixaram a empresa durante a reestruturação. A Builder.ai publicou um comunicado citando “decisões passadas que exerceram pressão significativa sobre sua posição financeira”, mas não forneceu detalhes.
Nem a Microsoft nem a QIA se pronunciaram publicamente sobre a falência. Duggal também manteve silêncio. Essa ausência de accountability por parte dos principais investidores reforça a percepção de que a diligência de muitos desses aportes foi pautada mais pela tendência do que pelo fundamento.
A tese da substituição falhou. A IA ainda não entende contexto.
Mais do que uma falência corporativa, o caso Builder.ai é um choque de realidade. A retórica de que a IA tornaria desenvolvedores obsoletos perdeu credibilidade. Como escreveu o The Register à época:
“A IA não pode substituir desenvolvedores até que entenda o escritório.”
Ou seja, escrever código é apenas parte do processo. Desenvolver software envolve contexto, estratégia, tomada de decisão, entendimento do negócio, trabalho em equipe, dimensões que a IA atual ainda não domina.
Ferramentas como GitHub Copilot mostram que a IA pode atuar como copiloto. Mas ainda está longe de dirigir sozinha.
O novo filtro dos investidores: o que a IA realmente entrega?
A implosão da Builder.ai levanta um sinal de alerta para todo o mercado de IA. Startups que prometem “automatizar tudo” precisarão provar não só sua tecnologia, mas também sua transparência. Os investidores devem repensar critérios de avaliação, privilegiando modelos de negócio robustos, governança sólida e métricas de produto reais.
O fracasso também gera um efeito positivo colateral: força uma discussão mais honesta sobre o papel da IA. Ela pode acelerar o trabalho, reduzir tarefas repetitivas, aumentar produtividade, mas não substituir a inteligência contextual, ética e criativa dos humanos.
A Builder.ai não fracassou por ser uma startup de IA. Fracassou por tentar se vender como uma que não era.
A grande ironia: venderam a morte do desenvolvedor.
Precisavam de mais deles do que nunca!
É um “mvp” do vibe coding…no final das contas estamos agora (de verdade) com soluções que realmente entregam isso explodindo de crescimento: v0, lovablr, bolt, coursor e etc.
Isso parece o MVP, mas ao contrário :D.