O ego na área de produto
Profissionais com egos gigantescos presentes na área de produto: como identificar e entender esse panorama?
A área de produto é uma das que mais atrai novos colaboradores no Brasil a alguns anos. Um dos maiores motivos para isso é o aumento salarial que posições como a de Product Manager vem recebendo, em média, nos últimos anos.
Segundo levantamento realizado pela PM3 em conjunto com a Bain & Company em 2023, os Product Managers tiveram uma valorização salarial de 5,86% (elevando o salário médio de R$ 12.293,45, em 2022, para R$13.295,11).
Esse é um aumento superior ao da inflação acumulada pelo IPCA referente ao mesmo período (4,61%), um forte indicativo de como o salário é um fator importante para pessoas em busca de mudança de carreira.
A pesquisa, que foi divulgada entre os maiores grupos e principais comunidades de Produto do país contou com mais de 2 mil respondentes, e trouxe outros dados relevantes: dentre o principal motivo que mais importa na hora de escolher um novo emprego a opção “Remuneração/salário” ficou em primeiro lugar, com 797 respostas.
Salário médio estimado na área de produto desde o ano de 2020 segundo panorama de mercado de 2023 e 2024 realizado pela PM3.
Outro estudo, realizado pela Land, empresa de recrutamento, traz em números a proporção de profissionais que desejam mudar de setor: a área de tecnologia é a que mais atrai trabalhadores, com 78% dos profissionais manifestando interesse em migrar para o mercado tech.
E alguns indicativos reforçam essa percepção: Entre as 25 profissões em alta em 2023, segundo o LinkedIn, pelo menos 10 são de tecnologia.
Outro importante veículo de comunicação, a Forbes, ressaltou no início desse ano que o mercado de TI continua contratando, apesar da crise das big techs: segundo estudo realizado pela própria Forbes em conjunto com a plataforma de inteligência de vendas Cortex, o mês de janeiro de 2022 contou 24 mil vagas abertas para os 25 cargos de tecnologia em alta, enquanto que no mesmo período de 2023, existiam 33 mil (um aumento de 38%).
Esses dados corroboram com o grande aumento por buscas de oportunidades de emprego atreladas a áreas de tecnologia e seus benefícios, mas são apenas uma contextualizam básica para o tema que consta no título desse artigo: o impacto do ego no dia a dia de trabalho dos profissionais de produto.
Uma suposta posição de “superioridade”
Levando em consideração todas as informações apresentadas, podemos tirar preciosos insights.
Um deles é de que pessoas da área de produto recebem bem em relação ao piso nacional (o salário mínimo atualmente é de R$ 1.320,00), e integra um mercado disputado e visado por profissionais das mais diferentes áreas.
Essas questões por si só podem trazer um sentimento de “superioridade”, umas vez que contar com esses parâmetros, de fato, constituem privilégios em relação a população brasileira de forma geral.
E é aqui que o termo “ego” será usado pela primeira vez, uma vez que ele pode ser identificado em alguns casos com esse tipo de aplicação.
Receber um salário maior, na maior parte das organizações, significa um escopo e responsabilidade acima da média em relação a outros profissionais.
Significa também que o profissional será responsável não só por ele, mas pelas pessoas na mesma área que respondem direta ou indiretamente a ele.
Reflete, ainda, que os próprios objetivos da companhia passarão por ele, e os KPIs deverão ser norteadores em relação as temas de decisão daquela empresa em específico.
Sendo assim, existe uma dependência intrínseca em relação as atividades dos liderados pelo líder: não existe gestão efetiva sem uma relação que vise extrair boas performances em um relacionamento a longo prazo (a curto prazo existe até a possibilidade de extrair efetividade por métodos pouco saudáveis, mas o custo de demissão de um colaborador é muito maior do que capacitá-lo e treiná-lo).
Ainda sobre os motivos de maior insatisfação por parte dos Product Managers ouvidos na pesquisa divulgada pela PM3, “Falta liderança de outros líderes” é o terceiro motivo listado, com mais de 100 respondentes.
E não só figuras de liderança direta, como o caso de Heads e Coordenadores, mas ao papel intrínseco de Product Managers e Product Owners no papel de liderança indireta: o relacionamento com diferentes stakeholders é de uma importância vital na condução de atividades rotineiras.
Cenário instável
Mesmo com o aumento em número total de vagas atreladas a área de tecnologia, recentes movimentos de grandes organizações com diferente sondes de layoffs também não pode ser ignoradas: conforme já mencionado em outro artigo do Product Guru’s referente a gestão de produtos e seu papel no desempenho de resultados da empresa, um levantamento disponibilizado via a organização Layoffs Brasil mostra que cerca de 2795 profissionais no país foram desligados até o mês de outubro desse ano.
De forma indireta, a insegurança pode utilizar o ego como válvula de escape: estar menos propenso a feedbacks e comentários à respeito do trabalho pode se rum claro sinal de insegurança, uma vez que demissões de forma geral tem se tornado mais comuns nos últimos meses.
Preciosismo profissional
Outro ponto que pode ser um dos agentes causadores nesse comportamento é o preciosismo em relação as tomadas de decisão: apesar de estarmos em pleno 2023, muitas empresas ainda não utilizam dados para tomada de decisões assertivas e bem embasadas.
Seja pela falta de iniciativa (entraves internos e falta de cultura atrelada a transformação digital nas altas esferas) ou recursos de fato (pouco ou nenhum histórico em relação a ferramentas para mensuração de dados), não é incomum vermos muitas decisões serem tomadas pelos profissionais que ocupam os maiores cargos da empresa, e quando são questionados, respondem de modo a preservar sua imagem profissional, não estando abertos (verdadeiramente) a novas ideias e iniciativas.
E nessa disputa incessante de egos, quem perde é a organização em si. Discussões e diferentes pontos de vista devem ser sempre bem-vindos, contanto que sejam efetivamente produtivos.
“O objetivo da argumentação, ou da discussão, não deve ser a vitória, mas o progresso.”
- Joseph Joubert foi um moralista e ensaísta francês.
E ainda referente ao preciosismo, esse muitas vezes pode aparecer em certas tratativas entre pessoas de um mesmo squad, mas com diferentes perfis.
Enquanto desenvolvedores e posições mais técnicas podem ter algum tipo de atrito com pessoas da equipe de negócios por não estarem relacionadas com a “mão na massa”, o inverso também pode ser reciproco.
Especialmente quando levamos em consideração o papel de decisor que cargos como PO e PM ocupam em relação a priorização de backlog, por exemplo.
Entretanto vale ressaltar que a multidisciplinaridade pode ser uma força dentro da organização, mas é necessário cuidados junto a forma como esses temas são tratados e perfis dos colaboradores, tendo como objetivo o progresso e geração de valor proporcionados pelas atividades dos envolvidos.
Existe uma razão para a presença de diferentes perfis incorporarem um mesmo grupo de profissionais, e quanto mais claro for o escopo de atuação e como efetivamente cada uma gera valor em relação as entregas, mais transparente será essa relação.
Estudos científicos sobre o tema
Existem alguns estudos no âmbito cientifico que nos ajudam a entender de forma mais detalhada o ego, em específico dentro do espaço de trabalho.
Um deles mostra como as pessoas rotineiramente superestimam suas próprias funções. Psicólogos de Harvard e da Universidade de Chicago solicitaram a diferentes acadêmicos que já foram coautores de estudos que estimassem o porcentual de trabalho pelo qual cada um foi responsável. Somadas, as estimativas chegaram em média a 140%.
Ou seja, existe uma clara desproporção em relação a trabalho realizado e percepção de realidade nesse sentido.
Nossos egos nos fazem pensar que somos mais importantes do que realmente somos ou, conforme afirmam os acadêmicos, há um "viés egocêntrico na alocação de responsabilidades".
Outro estudo, esse realizado apenas por psicólogos de Harvard, comprova outra questão: todo mundo gosta de falar de si mesmo.
Nessa outra experiência, as pessoas podiam responder perguntas sobre suas próprias opiniões em troca de uma pequena recompensa financeira (ou, em troca de uma maior recompensa, responder a perguntas sobre outras pessoas, como políticos ou celebridades).
O resultado? A maioria das pessoas participantes ficaram felizes em dispensar valor adicional para ser ater ao seu assunto favorito: elas mesmas.
Duas atribuições referentes ao ego
Segundo a jornalista britânica Lucy Kellaway, existem duas atribuições relacionadas ao ego:
A primeira diz que ele infla à medida que as pessoas se tornam bem-sucedidas e ganham experiência. Ou seja, efetivamente acompanham de alguma forma os êxitos profissionais de alguém, reforçando a confiança dessa pessoa para expor suas opiniões e comportamentos.
A segunda é que os egos são diferentes entre si: Alguns são espalhafatosos, enquanto outros são mais discretos. O ego visível, aquele que se impõe, é mais cansativo. Mas o tipo silencioso, que o engana, fazendo você pensar que ele não está ali, é o mais perigoso.
Essa visão mais detalhada ajuda a ter uma ideia um pouco mais completa do ego em si, e como ele pode se manifestar em diferentes pessoas.
Ramificações do ego dentro de uma organização
O ego é uma questão tão séria à nível organizacional que pode estar representado de diferentes formas dentro dela: cargos de ego, por exemplo, podem refletir profissionais que não tem clara ciência da execução de atividades operacionais dentro de uma organização, minando as atividades rotineiras da mesma.
Segundo Givoanna Tegani, autora do artigo “Busca implacável - Para que servem os cargos de ego?”, muitas vezes desafios que não são palpáveis por alguns profissionais são aceitos de qualquer forma, e as tarefas ficam sem desenvolvimento.
Alguns desses trabalhadores estão tão apegados a títulos e cargos que se esquecem que precisam de uma função real sendo desenvolvida.
“O problema vai para os processos de recrutamento também, e aí a questão impacta tanto o profissional, quanto o recrutador, quanto a empresa em si. O profissional tem o cargo, mas não sabe executá-lo. O recrutador fica sem saber se pode confiar neste cargo, porque as funções mudam muito de corporação para corporação, e o profissional pode acabar sendo totalmente inadequado para a função no seu cerne ideal, e a empresa acaba "chancelando" profissionais que não são capacitados para os cargos.”
- Giovanna Tegani em seu artigo publicado no LinkedIn “Busca implacável - Para que servem os cargos de ego?”
Existe outra aplicação popular de um termo atrelado a palavra “Ego”: as métricas de vaidade.
Definição de todas as métricas mapeadas pelo F4P, com destaque para as métricas de vaidade na parte inferior.
As métricas de vaidade normalmente são exibidas com grande destaque internamente, ou até mesmo para os próprios stakeholders ou clientes, porém em pouco ajudam na avaliação de performance do produto em questão.
Segundo já destacado em artigo anterior, outra característica recorrente é quanto mais dessas determinadas métricas, melhor.
E isso pode se dar por diferentes razões: cultura previamente estabelecida da empresa na mensuração de resultados, facilidade (pouca necessidade de investimento e/ou esforço em obtê-los), e por muitas vezes serem “viciantes” para serem levantados e organizados pela companhia, mesmo que não tragam insights relevantes.
Como lidar com o ego em si?
O primeiro ponto é aceitar, de forma clara e objetiva, que de alguma forma nós expressamos nosso ego no dia a dia do trabalho. Talvez com maiores ou menores proporções, ele está presente de alguma forma, e reconhecer isso nos ajuda na reflexão de que forma lidamos com ele atualmente.
Ou seja, é importante identificarmos como ele se manifesta por meio de nossas atividades mais rotineiras, de modo a diagnosticar nossas ações e percepções.
Tendo o devido tato, feedbacks junto a stakeholders também podem ajudar nesse sentido: a forma como nós efetivamente nos relacionamos com outras pessoas podem ser indicativos importantes.
A ênfase na sinergia é outro aspecto relevante: O papel de Product Manager ou Product Owner não deve ser pautado pelo ego, domínio ou propriedade de determinado produto: esse tipo de papel meramente tem como ênfase o fortalecimento do processo conjunto e colaborativo com o squad e outros stakeholders na geração e valor ao cliente e mudança nas alavancas de resultado.
Atribuir o papel de “dono” de determinado produto por um PM/PO é o mesmo que um pedreiro, engenheiro, construtor ou arquiteto obter o título de dono de uma casa que está sendo construída por ele.
Simplesmente não faz sentido, e é irreal do ponto de vista de atribuição do profissional, ajudando a perpetuar concepções errôneas em ligadas ao relacionamento com o produto em si.
Ter uma visão mais humilde em relação ao papel que desempenhamos, aliada a reflexões internas feitas com responsabilidade, pode ser um primeiro passo importante para uma maior conscientização sobre o tema em si.
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