O Jeito Itaú de Produtar: Lições de Cultura, Estratégia e Produtos que "Falam por Si"
Na edição anterior, analisamos como o Itaú vem estruturando sua estratégia de IA. Mas tecnologia, isolada, não cria conexão genuína com o cliente. Para transformar recursos em valor real, é preciso ter clareza de visão, uma metodologia consistente e uma cultura que dê lastro à inovação.
Em nossa continuidade da cobertura exclusiva do Festival Itubers, acompanhamos o painel Produtos que falam por si – e são muito Itaú. Com mediação de Nidia Pastor e participações de André Palma, Marcelo Toledo e Felipe Bretas, a discussão foi direta ao ponto: como uma empresa com 90 mil pessoas consegue sustentar um ambiente onde o design de produto vai além da função para realmente se enraizar no cotidiano das pessoas.
A conversa expôs os bastidores de um esforço intencional para criar não apenas soluções úteis, mas experiências que se tornam extensões naturais da relação do cliente com o banco.

A Cultura como Alicerce: "A gente é feito de futuro, mas não sabe tudo"
Antes de falar em frameworks ou métodos, o painel fez questão de começar do alicerce: a cultura. A ambientação do palco não era decorativa, mas declaratória. Frases como "a gente trabalha para o cliente" e, especialmente, "a gente não sabe tudo" serviam de lembrete claro do que sustenta qualquer iniciativa de produto no Itaú.
Essa postura de reconhecer limites e manter o foco no cliente foi apresentada como pré-requisito para qualquer processo de inovação ganhar tração de verdade dentro de uma estrutura tão grande.
Essa humildade é o ponto de partida. Uma das painelistas resumiu o sentimento de orgulho que permeia a organização, mas com um senso de responsabilidade:
"A gente valoriza pouco o impacto que a gente causa na vida das pessoas. Não estamos falando de coisas pequenas aqui, estamos falando de dinheiro, de pessoas que têm sua vida concentrada aqui, que compram casa, carro, realizam sonhos."
Essa mentalidade cria um senso de propósito, mas é a humildade que abre a porta para a verdadeira inovação. O reconhecimento de que "não se sabe tudo" é o que impulsiona a busca constante por aprendizado, a experimentação e a coragem para questionar o status quo. E para isso, a liderança é fundamental.
"Se o líder não estimula, se o líder não está ali participando, é um voo de galinha. O ambiente tem que estar psicologicamente aberto para isso, senão você também não vai ter coragem de ir lá e tentar inovar."
Case Study 1: O "iPhone para Sempre" e a Batalha contra a Inércia
Entre os exemplos mais ilustrativos de como o Itaú vem tensionando seus próprios limites, o painel destacou o programa iPhone para Sempre. Longe de ser um produto financeiro clássico, ele foi concebido como resposta direta a um desejo dos clientes: garantir acesso contínuo à tecnologia mais atual sem comprometer o orçamento.
O case foi apresentado como um exercício real de mudança de mentalidade. Para lançar algo tão fora do escopo bancário tradicional, foi preciso confrontar resistências internas, questionar processos estabelecidos e articular novos modelos de risco e precificação. A discussão deixou claro que inovação em uma grande empresa raramente acontece sem atrito, e que o aprendizado está justamente em como navegar esse atrito sem abrir mão da ambição original.
"De início, a gente teve resistência. A estrutura do banco não está acostumada a criar um negócio disruptivo como esse. No primeiro momento, muitas pessoas tomaram um susto, acharam que talvez não fizesse sentido."
A lição aqui é clara: para criar produtos que "falam por si", muitas vezes é preciso desafiar as próprias estruturas e processos da empresa. O sucesso do programa provou que valeu a pena.
Case Study 2: O JIP e o "Cockpit" para Product Managers
Talvez o insight mais relevante para a nossa comunidade de produto tenha sido a revelação sobre o "Jeito Itaú de Produtar" (JIP). A equipe de produto mapeou um problema interno massivo:
"Chegamos a mapear 56 ferramentas que um PM precisaria usar para produtar. Não há mecanismo que ajude, não há procedimento, não há nada. Ou você vai deixar de fazer, ou você vai fazer errado porque não entende."
A solução? Criar um produto para os próprios produtos. Um "cockpit para PMs", uma ferramenta unificada que nasceu de um discovery de dois dias na ZUP e, em semanas, já tinha um protótipo rodando.
O objetivo não é apenas a eficiência. É sobre liberar o tempo dos PMs para que foquem no que realmente importa: entender o cliente e a estratégia. A filosofia por trás do JIP encapsula a nova cultura de produto do banco:
"A gente entendeu que nunca vai estar pronto. E a gente, no banco, sempre teve a angústia de 'só posso ir para fora quando está pronto, tudo perfeito'. Essa oportunidade de entender que não está pronto e que você vai aprender construindo, coletando mais feedback, mais experimentação, acho que ajuda demais."
A Fronteira da Inovação: Itaú as a Service (IaaS)
O painel também explorou o futuro, e ele vai muito além do app. A estratégia de Banking as a Service (BaaS), ou como eles chamam internamente, Itaú as a Service (IaaS), representa uma mudança fundamental no modelo de negócio.
A lógica é simples: em vez de apenas oferecer produtos financeiros aos seus próprios clientes, o Itaú está "plugando" sua infraestrutura robusta (pagamentos, crédito, etc.) em ecossistemas de outras grandes empresas, como a Porto.
"A lógica de Banking as a Service, de você conseguir entregar soluções financeiras através de APIs, ela é nova. E nossos clientes do atacado têm, dentro da estratégia deles, construir um ecossistema financeiro. E eles batem na nossa porta falando: 'Itaú, eu quero alguém de confiança para me ajudar nessa jornada estratégica'."
Isso não é competir com os próprios produtos. É atender a uma demanda latente de mercado, aprofundar o relacionamento com clientes corporativos e, fundamentalmente, estar onde o cliente final está, mesmo que fora do ambiente Itaú. É uma visão de plataforma que mostra como a inovação pode vir da abertura, e não apenas do controle.
O Elo Comum: A Paixão pelo Problema
O que conecta todos esses pontos — cultura, cases e estratégia? A resposta veio em um mantra que todo bom profissional de produto conhece, mas que é sempre bom reforçar:
"O produteiro tem que tomar muito cuidado para não ter paixão pelo que ele faz. Ele tem que gostar de ter problema. Quando vem um problema novo, você não pode falar 'nossa, que problema novo'. Você tem que falar 'cara, que legal, um problema novo para resolver'."
No fim, o "Jeito Itaú" parece ser exatamente isso: uma busca incessante e apaixonada por problemas relevantes a serem resolvidos. É essa paixão que transforma uma instituição centenária em uma máquina de inovação contínua.