No auge da era de juros baixos, o capital de risco parecia ter uma fonte infinita de dinheiro para investir em qualquer promessa tecnológica. Fundos lotados de liquidez competiam para entrar em rodadas disputadas.
A máxima “aposte no jóquei, não no cavalo” virou um mantra, justificando cheques milionários com base no carisma do fundador. Mas bastou uma virada de ciclo para expor as rachaduras dessa filosofia.
Investidores experientes repetiam que, em estágios iniciais, era mais fácil mudar o produto do que o empreendedor. A ideia fazia sentido em um cenário pré-receita e com pouca informação concreta. Porém, o mercado confundiu um atalho com uma regra universal. Com a explosão de capital, a aposta criteriosa no empreendedor virou culto ao fundador. A figura do “visionário” passou a valer mais que métricas, governança ou tecnologia real.
Theranos e Builder.ai mostram o preço desse culto
A Theranos se tornou o exemplo mais gritante de como uma narrativa poderosa pode cegar até os mais sofisticados. Elizabeth Holmes vendeu a promessa de revolucionar a medicina com exames feitos com apenas uma gota de sangue. O dispositivo “Edison” nunca funcionou de fato. Mesmo assim, a empresa captou quase US$ 900 milhões e chegou a valer US$ 9 bilhões.
Investidores renomados, como a família DeVos, colocaram US$ 100 milhões sem exigir relatórios auditados ou validação independente da tecnologia. Visitas a laboratórios foram dispensadas. Bastava a promessa, o carisma e uma história bem contada para selar os cheques.
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Na Builder.ai, o padrão se repetiu. Vendida como plataforma de IA capaz de montar aplicativos como lego, a empresa arrecadou mais de US$ 450 milhões e foi avaliada em US$ 1,5 bilhão. Mas a tal IA “Natasha” não existia. O que havia era uma operação com 700 programadores humanos na Índia, escrevendo código manualmente. Segundo o Tech in Asia, fraudes contábeis inflaram receitas em até 300%, sustentadas por esquemas de “round-tripping” com parceiros.
Esses casos não são aberrações. São sinais de um problema mais profundo: uma indústria que esqueceu o básico e preferiu se apaixonar por histórias.
Os números não mentem: 42% das startups falham por não resolver problema real.
A CB Insights aponta que a principal razão de falência de startups é a falta de necessidade de mercado. Isso corresponde a 42% dos casos. Não há fundador visionário capaz de forçar a demanda onde ela não existe.
Entre 29% e 38% das startups quebram por queima de caixa. Muitas vezes, não é que falte dinheiro. É que o modelo de negócios é insustentável. A Webvan queimou mais de US$ 800 milhões em menos de cinco anos porque expandiu antes de provar que havia mercado para seu serviço de supermercado online. Em 2000, faturava US$ 178 milhões, mas gastava mais de US$ 525 milhões.
WeWork também ensinou essa lição. Avaliada em US$ 47 bilhões, vendia uma narrativa de “plataforma de comunidade” enquanto operava como um negócio imobiliário com economia de unidade frágil. Adam Neumann, seu fundador carismático, concentrou poder absoluto, e os investidores ignoraram sinais de alerta em troca da promessa de crescimento infinito.
Por que investidores tão sofisticados caem nesses contos?
Há uma resposta simples e desconfortável: vieses cognitivos.
O FOMO (medo de perder a oportunidade) é um dos mais poderosos. Quando fundos como Sequoia ou SoftBank entram em uma rodada, outros seguem sem questionar, criando efeito manada. O resultado são valuations inflados e diligências feitas para “marcar a caixa”, não para investigar de fato.
O viés de narrativa também pesa. Histórias bem contadas, com apelo moral ou visão de futuro, se sobrepõem a dados duros. Holmes sabia disso. Sua imagem de “nova Steve Jobs” vendia mais do que qualquer demonstração real.
Outro problema é o viés de confirmação. Uma vez encantado, o investidor busca dados que confirmem sua impressão inicial, ignorando alertas. E há ainda o viés de ancoragem, que mantém expectativas altas mesmo quando os fatos mudam.
A due diligence virou mera formalidade
Esses vieses se traduziram em processos fracos. O estudo cita falhas gritantes na verificação técnica da Builder.ai. Bastaria uma auditoria independente para descobrir que a IA prometida não existia.
Na Theranos, investidores não exigiram demonstrações financeiras auditadas nem visitas técnicas. Qualquer pergunta mais dura era contornada com justificativas de “segredo comercial” ou “propriedade intelectual”. A confiança substituiu a verificação.
Essa complacência não era pontual. Era sistêmica. Governança básica foi ignorada. Conselhos de administração cheios de nomes famosos tinham pouca ou nenhuma expertise técnica. Em ambos os casos, os fundadores mantinham controle quase total, sem contrapesos ou supervisão.
Mudança de postura
Depois desses fracassos, há sinais de mudança real. Estudos como os da European Corporate Governance Institute mostram que fundos que investiram em fraudes reduzem investimentos nos setores afetados em 4,5% e se tornam mais cautelosos.
Due diligence está evoluindo para processos mais robustos:
Triagem mais criteriosa para filtrar negócios alinhados à tese do fundo.
Avaliação financeira exigindo dados auditados mesmo em fases iniciais.
Diligência legal e técnica mais profunda, especialmente em IA.
O hype em IA elevou o nível de exigência. Como a tecnologia é complexa e muitas vezes uma “caixa-preta”, a due diligence técnica virou necessidade. Frameworks como os descritos pela Redblink recomendam revisar dados de treinamento, propriedade intelectual, arquitetura de MLOps, segurança e conformidade regulatória.
Governança: de obstáculo para ativo estratégico
Investidores começam a exigir conselhos independentes, comitês de auditoria e relatórios regulares desde os estágios iniciais. Não como burocracia, mas como estrutura essencial para evitar abusos e criar negócios duradouros.
Para os fundadores, a mensagem é clara. Não basta contar uma boa história. É preciso construir um produto viável, com governança sólida. A transparência não é um fardo. É um ativo que gera confiança e valor no longo prazo.
O que fica como aprendizado?
A tese do “aposte no jóquei” não deve ser descartada. Mas precisa mudar. O fundador continua sendo fator crítico, principalmente em estágios iniciais. Mas não pode substituir o análise detalhada do produto, do mercado e do modelo de negócios.
O verdadeiro investidor não é o que participa de todas as rodadas quentes. É o que sabe dizer não quando todos dizem sim.
Se a indústria aprender essa lição, talvez consigamos evitar o próximo Theranos ou Builder.ai. Porque no fim das contas, hype não paga conta. Produto real, mercado validado e governança sólida ainda são as únicas apostas que valem o risco.