O produto é fraco, mas a narrativa é forte
O paradoxo das startups de IA que vencem pela atenção, não pela entrega
A nova onda de startups de IA expõe um paradoxo desconfortável: algumas das que mais crescem têm produtos frágeis, mas histórias potentes.
Não é sobre tecnologia de ponta, UX impecável ou retenção consistente. É sobre storytelling, fundadores que dominam o ciclo de atenção, e uma estética de disrupção que captura investidores antes de provar qualquer valor prático.
A Cluely é o caso mais emblemático. Um produto com falhas óbvias de usabilidade, problemas de latência e aplicação questionável em cenários reais. Mas que valeu US$ 120 milhões em três meses graças a um manifesto ousado, escândalos midiáticos e uma fundação que parece roteirizada por uma agência de growth.
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A startup que transformou trapaça em produto
Fundada em 2025 por dois ex-estudantes de Columbia, a Cluely ganhou notoriedade ao lançar um software que atua como “assistente invisível” em entrevistas, reuniões e provas. A promessa: uma IA que vê sua tela, ouve o áudio ao redor e sugere respostas em tempo real, tudo sem ser detectado.
Mas o que realmente impulsionou a empresa foi a narrativa dos próprios fundadores. Após serem suspensos da universidade por usarem um protótipo do Cluely para enganar o processo seletivo da Amazon, os criadores transformaram a punição em campanha. Publicaram a carta de suspensão, viralizaram com vídeos provocativos, e levantaram US$ 20 milhões com investidores como a16z.
O produto? Frágil, inconsistente, com delay e desempenho fraco. Mas a história era perfeita: jovens rebeldes, dropouts da Ivy League, expondo as falhas de um sistema corporativo e acadêmico supostamente obsoleto.
A partir disso, a Cluely virou um símbolo, não de tecnologia útil, mas de disrupção performada.
A hipótese: hype é um ativo estratégico
O fenômeno não é novo, mas ganhou escala com a explosão da IA generativa. Startups que vendem promessas mais do que produtos têm encontrado terreno fértil entre usuários curiosos e investidores ansiosos.
A hipótese central por trás dessas apostas é clara: uma startup com alto potencial de distribuição pode corrigir falhas de produto depois, se sobreviver ao ciclo de atenção.
Investir em uma narrativa forte pode não garantir um bom produto, mas garante acesso. E o acesso é o que abre portas para funding, audiência e early traction.
No caso da Cluely:
O produto entrega mal o que promete: uma “IA invisível” que trava, atrasa e atrapalha mais do que ajuda.
Mas a tese de fundador é clara, articulada e provocadora: “trapacear vence esforço”, “o mundo vai trapacear de qualquer jeito”, “não queremos melhorar pessoas, queremos ampliá-las”.
Essa clareza narrativa é o que transforma uma ferramenta medíocre em uma startup comentada e financiada.
como fundadores performam disrupção
A execução de uma startup “narrativa-first” segue uma lógica distinta. O foco inicial não é usabilidade, mas impacto cultural.
Cluely investiu pesado na construção de personagem (Roy Lee), na estética TikTok de indignação (“cheat on everything”), e numa cadência absurda de conteúdo, com mais de 60 estagiários produzindo vídeo, post, teaser e polêmica.
O produto é apenas um pretexto. A monetização é quase secundária. A meta real é construir um culto digital com distribuição orgânica massiva. E isso é feito por:
Ragebait planejado: criar campanhas que causem indignação e viralizem.
Auto-exposição estratégica: transformar críticas e denúncias em capital de influência.
Estética de rebeldia calculada: um branding entre hacker, dropout e messias.
A startup vira uma entidade de mídia com uma interface de software.
Atenção não resolve fricção
O problema é que, cedo ou tarde, a narrativa encontra a realidade. E aí o paradoxo se revela.
No caso da Cluely, usuários relatam travamentos, delays de 90 segundos, respostas genéricas e momentos constrangedores em reuniões. O produto que deveria ser o “J.A.R.V.I.S. invisível” mais parece uma colinha digital mal integrada.
Esse descompasso cria uma curva de frustração alta. A expectativa performada na narrativa é muito maior do que a experiência entregue na prática. E, em ciclos de produto, isso afeta:
Retenção de longo prazo.
Recomendação orgânica.
Capacidade de monetizar.
Sem uma correção real de produto, a startup corre o risco de se tornar irrelevante assim que o ciclo de atenção passar.
O que isso ensina para quem constrói produtos
O paradoxo Cluely não invalida a importância da narrativa. Pelo contrário. Mostra que fundadores precisam dominar tanto storytelling quanto product thinking. Um sem o outro vira ruído ou desperdício.
Fundadores narrativos precisam tratar produto com a mesma obsessão que tratam o feed do TikTok. Fundadores técnicos precisam aprender a contar histórias que vendem antes da solução estar madura.
A lição é clara:
Narrativa forte atrai. Produto forte mantém.
Na era das IAs e da distribuição algorítmica, saber contar uma história ainda é um dos ativos mais poderosos. Mas não é um fim em si.
Porque quando o hype esvazia, só sobra o produto. E se ele for fraco, a história termina antes de virar legado.
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Ele aprendeu a ser "Distribution first". E cara, ele não tá errado...
Pra consumer products e pro ICP dele, faz sentido pra caramba...
Quantos programadores sênior foda você conhece que já fizeram projetos pessoais ou até mesmo produtos muito incríveis e você nem faz ideia que existe? Nesse caso não seria um problema de tecnologia, mas sim um problema de distribuição.
Assim, eu não estou falando que esse é o único jeito e que polemizar é certo, mas (nesse caso) funciona.
Com certeza a história é outra se você falar de um produto B2B, que tem níveis de exigência e compliance maiores. Mas cara, pra Consumer Products, isso aí é uma sacada genial dele.
Ele entrou na mente do que é a nossa sociedade hoje. Polemizada, dividida. Ele tá jogando o jogo.