OnlyFans não é pornô
A narrativa mais confortável sobre o OnlyFans é simples: uma plataforma que surfou o boom da pornografia paga, cresceu demais e agora tenta limpar a imagem com conteúdo de receitas, treino e celebridades. A realidade estratégica é mais incômoda. O que está em jogo não é relações públicas, mas a sobrevivência de um motor de monetização extremamente eficiente que hoje vive sob risco regulatório, político e de infraestrutura ao mesmo tempo.
Por baixo do estigma, o OnlyFans se consolidou como uma das máquinas de geração de caixa mais agressivas da economia dos criadores. Com uma comissão fixa em cima de tudo o que passa pela plataforma, movimenta bilhões em volume bruto de pagamentos por ano e já distribuiu dezenas de bilhões de dólares a criadores desde 2016. Só que a peça mais importante do quebra-cabeça não está no tamanho do bolo, e sim em como esse dinheiro é gerado.
O verdadeiro produto não é assinatura, é transação emocional
Quase todo mundo ainda descreve o OnlyFans como uma espécie de Netflix de criadores, baseado em assinatura mensal. Os números desmentem essa leitura. Enquanto as receitas de assinatura crescem em ritmo mais lento, as linhas transacionais explodem. Gorjetas, mensagens pagas e conteúdo pay per view já respondem pela maior parte de todo o gasto dos consumidores e por quase todo o crescimento recente de receita.
Comissão da plataforma: 20% fixa sobre todas as transações.
Receita líquida 2024: US$ 1,4 bilhão.
Volume bruto de pagamentos 2024 (GMV): US$ 7,2 bilhões.
Total pago a criadores desde 2016: US$ 25 bilhões.
Crescimento da receita de assinaturas 2021–2024: +9%.
Crescimento da receita de fontes transacionais (gorjetas, DMs pagas, PPV) 2021–2024: +70%.
Participação das compras transacionais no gasto total dos usuários: >60%.
Participação das compras transacionais no crescimento total da receita dos últimos 3 anos: ~90%.
Traduzindo em termos de produto, o OnlyFans não vende acesso ao conteúdo. Vende oportunidades recorrentes de microtransações emocionais entre fã e criador. O dinheiro grande está nas interações pagas dentro do show: a mensagem exclusiva, o vídeo sob medida, a resposta personalizada, o “vê isso primeiro” que ninguém mais recebe. É um motor de vendas transacional construído para capturar a disposição do fã em pagar para aprofundar uma relação parassocial.
Esse motor roda em cima de uma fragilidade estrutural que ficou escancarada em 2021. Sob pressão direta de parceiros de pagamento, o OnlyFans anunciou que proibiria conteúdo pornográfico. Dias depois recuou, após uma revolta massiva dos criadores. Mas o recado ficou claro: o core business da empresa dependia de um tipo de produto que os donos da infraestrutura financeira consideram tóxico para reputação e risco.
A partir dali, a empresa foi obrigada a olhar para a própria conta de resultados com mais frieza. O ativo estratégico não era a pornografia em si. Era a capacidade da plataforma de transformar relações parassociais em fluxo de caixa, independentemente do tipo de conteúdo. O pivô para o conteúdo seguro para marcas não nasce de um impulso moral ou de marketing. É uma forma de desacoplar o motor de monetização mais eficiente do mundo de um nicho que torna esse motor constantemente ameaçado por bancos, bandeiras de cartões e reguladores.
Se 2021 foi um choque operacional, os últimos anos elevaram o risco para o nível existencial. Nos Estados Unidos, principal mercado do OnlyFans, surgiram propostas políticas que defendem a criminalização da pornografia com definições amplas o suficiente para atingir não só conteúdo explícito, mas também criadores LGBTQ+ e qualquer coisa rotulada como desvio sexual.
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Neste cenário, a plataforma não precisa apenas parecer menos adulta. Precisa construir uma narrativa institucional capaz de sobreviver em ambientes politicamente hostis. Entra em cena o que dá para chamar de Escudo SFW: parcerias com chefs, atletas, personalidades de reality show, artistas pop e uma expansão pesada do ecossistema de conteúdos de culinária, fitness, lifestyle e negócios. O objetivo não é substituir o conteúdo adulto, que ainda responde por grande parte do volume de pagamentos. É criar isolamento de marca suficiente para que um ataque político ao site de pornografia possa ser respondido com “somos a plataforma que hospeda atletas, músicos e negócios”.
Autenticidade como funil de vendas, não como valor
O marketing da nova fase gira em torno de autenticidade, bastidores e jornada pessoal. Parece mais um slogan de Instagram, mas é uma escolha profundamente alinhada ao modelo transacional. A plataforma incentiva formatos como um dia na vida, vlogs de rotina, sessões de perguntas e respostas, bastidores de treinos, gravações e processos de criação, além de narrativas de recomeço em que o fã é convidado a acompanhar a evolução do criador.
Funciona por dois motivos:
Sequestra a retórica de autenticidade que já dá certo em plataformas de topo de funil como TikTok e Instagram. Só que, enquanto essas redes monetizam mal essa autenticidade, o OnlyFans oferece um degrau abaixo: se você gosta da minha versão pública, pague para ter acesso à versão realmente íntima.
Essa estrutura elimina o paradoxo da escolha. O fã não precisa navegar por dezenas de produtos diferentes. O produto é uma relação única com aquele criador, desdobrada em vários tickets: assinatura, mensagem, pay per view, pacote exclusivo.
Os maiores ganhadores dos últimos anos são o laboratório vivo onde essa estratégia se materializa. Cardi B não vende nudez. Monetiza o direito de ver desabafos sem filtro, bastidores da carreira e prévias de música antes de todo mundo. Mia Khalifa usa o peso da própria história no pornô para vender algo que não é pornô: humor, gameplays, comentários políticos, ativismo contra estigma. Bella Thorne reposiciona tudo como erótica artística, misturando fotos sensuais com poesia e música, afastando-se da pornografia tradicional ao mesmo tempo em que mantém a tensão que vende.
Blac Chyna e Erica Mena tratam o OnlyFans como um canal privado de reality show, onde o produto são cenas que a TV não mostra, brigas, bastidores de cirurgias e dramas familiares. Jem Wolfie, do outro lado, representa o modelo seguro para marcas puro: pega sua audiência de fitness no Instagram e a converte em assinaturas, planos de treino e receitas pagas dentro do OnlyFans. O fio em condutor é claro. O que gera dinheiro não é o gênero do conteúdo, é a sensação de proximidade, acesso e segredo. A plataforma virou infraestrutura para monetizar intimidade, não para hospedar um tipo específico de mídia.
Essa lógica fica ainda mais clara quando entram em cena exemplos recentes em esportes. A skatista brasileira Leticia Bufoni, multicampeã dos X Games e rosto global do skate de rua, anunciou em 2025 sua entrada no OnlyFans. O posicionamento é direto: conteúdo focado em bastidores de alto rendimento, treinos, bastidores de campeonatos, a rotina na Porsche Cup e nos projetos de automobilismo, além de momentos de viagem e rotina que não aparecem nas redes abertas.
Ao associar a marca a uma atleta consolidada, com milhões de seguidores e trânsito em marcas globais, o recado é que o OnlyFans pode ser a casa dos esportes de ação e do lifestyle de performance, não apenas do conteúdo sexualizado. O que está sendo vendido não é nudez, e sim um tipo de acesso que transforma fã em insider: ver o treino de perto, a conversa no box, a preparação mental e física antes de competir. É a mesma máquina de monetização aplicada a um outro tipo de intimidade.
Leticia não é um ponto fora da curva. A mesma linha aparece em outras atletas de esportes de ação, como surfistas que usam a plataforma para compartilhar treinos, viagens e campeonatos com foco em performance e estilo de vida, sem nudez explícita. Em paralelo, músicos e popstars exploram o OnlyFans como canal de bastidores de turnê, processos criativos, ensaios e versões alternativas de músicas, às vezes com apelo sensual, mas sempre tentando marcar uma fronteira clara em relação à pornografia tradicional.
Há também casos de criadores que ocupam nichos muito específicos, como fetiches ou estética corporal, e que se posicionam na fronteira entre o conteúdo adulto e o não adulto. Em vez de vender pornografia explícita, monetizam obsessões e curiosidades de micro comunidades. Isso reforça a tese central: o motor econômico do OnlyFans é a capacidade de transformar qualquer forma de atenção concentrada em transações recorrentes. Quanto mais nichado e íntimo, melhor.
Nada disso acontece num vácuo competitivo. O alvo óbvio desse movimento seguro para marcas é o espaço ocupado por plataformas como o Patreon. Lá, criadores pagam taxas menores, têm pouco estigma e constroem comunidades pagas com recompensas simples por camada de assinatura. Em tese, é o paraíso para artistas, podcasters e escritores que querem distância de qualquer associação com conteúdo adulto.
O problema é que, do ponto de vista econômico, o Patreon funciona quase como um grande jarro de gorjetas recorrente. O criador pode até conseguir um bom volume de assinantes, mas as ferramentas para aumentar o valor de vida por fã são limitadas. No OnlyFans, o mesmo criador pode combinar assinatura com pay per view de bastidores, pacotes especiais e respostas pagas em mensagem privada. Na prática, isso multiplica o LTV de cada fã e faz a comissão mais alta parecer o preço de um motor de vendas integrado. A jogada estratégica é clara: criar FOMO de receita em quem hoje está em plataformas mais seguras, mas menos rentáveis.
O preço dessa estratégia é a fratura interna entre quem pode ser mostrado e quem precisa ser escondido. Criadores seguros para marcas de nichos como fitness, gastronomia, música ou esportes podem divulgar seus links em redes como Instagram e TikTok sem grandes problemas, surfando algoritmos que favorecem lifestyle. Já criadores explicitamente adultos vivem outra realidade: violações de diretrizes, shadowban, remoção de conta simplesmente por ter um link do OnlyFans na bio.
Na prática, forma-se um sistema de castas. De um lado, a elite promovível que vira vitrine de relações públicas, estudos de caso de negócios e parcerias com marcas. De outro, a base que paga a maior parte das contas, mas não pode ser celebrada, pois contraria o projeto de limpeza da marca. Esses criadores seguem carregando o topo de funil sozinhos, enquanto a empresa usufrui da receita, mas precisa fingir em público que o negócio é outra coisa. O resultado é ressentimento, desconfiança e uma sensação constante de instabilidade.
Adult creators estão aprendendo a viver sem o OnlyFans
Sentindo-se descartáveis, muitos criadores adultos começaram a reagir com a única arma realmente poderosa que têm: construir ativos próprios. Guiados por consultores do setor, migram parte do negócio para concorrentes, ao mesmo tempo em que criam sites próprios, capturam e-mails e tentam reduzir a dependência da plataforma.
Esse movimento é especialmente perigoso porque ataca o verdadeiro fosso do OnlyFans: ser o pacote completo de hospedagem, streaming e, principalmente, processamento de pagamentos em um mercado onde abrir conta bancária e operar com bandeiras é difícil. Ao forçar criadores a aprender marketing, captura de leads e infraestrutura mínima própria, a plataforma ajuda, sem querer, a construir a próxima geração de negócios que pode tratá-la apenas como mais um canal, não como o centro do ecossistema.
A situação atual é a de um Império Duplo. De um lado, a versão pública, de lifestyle, business classes, atletas como Leticia Bufoni e parcerias esportivas, desenhada para reguladores, mídia e novos criadores seguros para marcas. De outro, o lado oculto, ainda sustentado por conteúdo adulto, ressentimento, instabilidade e risco político permanente.
Abandonar o lado NSFW seria suicídio financeiro. Ignorar o lado SFW seria suicídio regulatório. A empresa não tem escolha além de tentar equilibrar os dois. A ironia é que, com o Escudo SFW funcionando relativamente bem do ponto de vista de relações públicas, a ameaça mais séria deixa de ser apenas política e passa a ser competitiva. O cenário realmente perigoso é o surgimento de uma plataforma que copie as ferramentas transacionais do OnlyFans e ofereça, ao mesmo tempo, mais estabilidade e proteção para criadores adultos. Se esse player aparecer com seriedade, o êxodo da parte oculta do império pode acontecer rápido demais para o escudo mainstream segurar.
O caso OnlyFans é menos sobre moralidade e mais sobre arquitetura de incentivos. A empresa descobriu um motor de monetização de intimidade parassocial que pode funcionar para pornografia, reality show, fitness, culinária, bastidores de turnê ou a rotina de uma atleta olímpica. Mas, ao tentar proteger esse motor de bancos, políticos e opinião pública, corre o risco de desgastar exatamente o grupo que sustenta o caixa.
Se você trabalha com produto, plataformas ou economia de criadores, vale acompanhar menos o barulho em torno do conteúdo e mais o que realmente importa: quem controla o motor das transações e quem pode desligar a tomada.



