Todos estamos familiarizados com o TikTok, rede social criada em 2018 que ganhou o mundo com danças frenéticas e popularização de diversos memes, principalmente durante tempos pandêmicos. Em 2021, para termos ideia, o TikTok alcançou a marca de um bilhão de usuários ativos no mundo. No ano seguinte, o aplicativo se tornou o mais baixado do planeta, com 850 milhões de downloads.
Os dados do TikTok impressionam, e isso se reflete em seu faturamento com os dados do fechamento de 2022: 9,6 bilhões de dólares. Entretanto existe uma outra rede que, durante o mesmo período, alcançou a marca de 5,6 bilhões de dólares. O comparativo serve como referência para termos uma pequena noção do quão relevante e impactante o OnlyFans é no cenário digital, e como uma empresa de apenas 1.000 funcionários ganhou (e continua ganhando) destaque internacional.
Escopo direcionado desde o início
Apesar do que muitas vezes ouvimos e lemos, o escopo do OnlyFans já era voltado ao entretenimento adulto desde sua origem em 2016. O início do modelo de negócios remete a uma observação tão peculiar quanto assertiva: nos anos 2010 diversos artistas do mercado de entretenimento adulto estavam vendendo serviços ocultos e se promovendo em redes sociais tradicionais, como o Instagram.
À medida que os sites de mídia social começaram a reprimir conteúdos contendo nudez, Tim Stockley, empreendedor inglês responsável pelo OnlyFans, decidiu criar uma plataforma onde as pessoas pudessem monetizar seu conteúdo explícito de maneira segura.
O insight aqui foi o de usar a lógica de plataformas de conteúdo por assinaturas, como Patreon e o Substack, para criadores do universo do mercado do sexo.
Receita dentre os primeiros anos desde a criação de diferentes plataformas voltadas ao serviço de assinaturas, como Fanhouse, Patreon, Substack etc.
Paywall pornô
O OnlyFans diz já ter pago mais de U$ 8 bilhões aos criadores de conteúdo da plataforma, ficando com 20% dos valores cobrados pelos mesmos. Ao considerarmos o número de mais de 190 milhões de usuários ativos (os criadores representam em torno de 2 milhões) é fácil entendermos o nível de faturamento da companhia, que sofreu um boom considerável durante a pandemia (de 2019 a 2020 o número de usuários pagantes cresceu 500%).
A proposta parece simples, mas sua popularização basicamente mudou a indústria do entretenimento adulto para sempre: uma das bandeiras mais levantadas pela empresa e sua CEO, Ami Gan, é de que a plataforma fornece o controle da própria imagem e carreira para seus criadores de conteúdo.
Em um exemplo que remete ao início das atividades de Carmen Electra (atriz estadunidense imortalizada pela série “Baywatch”) na plataforma em 2023, ela ressalta:
“[...] Por exemplo, Carmen Electra – ela é um nome que todos ouviram ao longo dos anos e acabou de completar 50 anos. Achei absolutamente incrível que o seu lançamento conosco fosse esta notícia global. A maneira como ela estava falando sobre OnlyFans foi tipo, Oh, finalmente tenho controle da minha imagem. Eu sou meu próprio patrão. Até eu fiquei meio surpresa com isso, porque aqui está alguém que teve várias décadas de carreira na indústria do entretenimento e só agora sente que tem esse controle sobre sua imagem. Isso é excepcional.”
Medidas de segurança
Ainda segundo Gan, uma das principais preocupações com a plataforma é justamente a segurança. Se os usuários tiverem mais de 18 anos e cumprirem os termos de serviço do OnlyFans, eles serão acolhidos com orgulho pelo que ela define como uma “casa inclusiva para uma gama de criadores”.
Um dos traços mais reforçados dentro desse aspecto é que, diferente de outras plataformas, não existe anonimato nesse ambiente. Isso ajuda a evitar a atuação de bots, trolls e haters de forma geral junto aos criadores. Estes, inclusive, podem bloquear, excluir e reportar qualquer tipo de atividade de usuários que vão contra as normas da companhia.
Os criadores também passam por uma verificação robusta: quem quiser se inscrever para produzir conteúdo deve fornecer nome e sobrenome, e-mail, links de redes sociais, foto de um documento de identidade válido, uma foto segurando o documento em si e diversas outras informações.
Além disso, os aplicantes são sujeitados a uma varredura biométrica e verificação de identidade conduzidas por terceiros. Depois, tudo isso é revisado por um humano antes que alguém seja aprovado para poder passar a gerar conteúdo na plataforma. Todo esse fluxo resulta em mais de 50% das pessoas que se inscrevem sendo rejeitadas.
A moderação também é levada a sério: além da utilizam de tecnologias para automatização da revisão do conteúdo, tudo no site é revisado por uma equipe de moderação, que corresponde a mais de 80% do total de funcionários da organização.
Polêmicas e falhas no modelo de negócios
O discurso abrangente e as diferentes medidas tomadas pelo OnlyFans vão de encontro a necessidade de gerir uma plataforma que, basicamente, cresceu muito em pouco tempo. Atualmente a maior parte de usuários da plataforma se concentra na faixa etária entre 18 e 24 anos, o que não seria necessariamente um problema se não fossem pelas alegações de menores de idade também terem acesso à rede com certa facilidade no passado.
Até 2022, diversos casos de menores de idade se passando por pessoas mais velhas (utilizando documentos de parentes, por exemplo) foram e ainda estão sendo investigados por diferentes forças polícias ao redor do mundo, como Inglaterra e EUA.
Em outro exemplo que mostra a necessidade de aprimoramento da atuação da companhia, uma instituição de caridade dos EUA reportou em 2022 que certos termos proibidos pelo site para escrita de seus usuários ainda eram amplamente utilizados, incluindo termos que faziam referência a crianças.
Em comunicado oficial, o OnlyFans disse que uma “falha” permitiu que alguns textos fossem reaproveitados de outros sites, porém os termos destacados já haviam sido apagados pela organização de Inteligência Antitráfico Humano.
A empresa não acredita que haja uma quantidade significativa de conteúdo ilegal em sua plataforma, e reforça que analisa cada conteúdo postado como vídeos, fotos e textos.
Entretanto, se observarmos a origem do OnlyFans e das pessoas responsáveis pela sua criação, talvez possamos identificar mais pontos de atenção. Criado em 2016 por membros da família Britânica Stokley, foi Tim Stokely quem exerceu o papel de CEO até 2021, sendo o rosto conhecido pelo mercado e o porta-voz oficial da empresa durante todo esse período.
Outra figura importante é a do sócio majoritário da plataforma, Leonid Ridvinsky, empresário bilionário de origem ucraniana que começou a atuar no universo online de entretenimento adulto com o site “MyFreeCams.com”, um serviço que transmitia conteúdo adulto com performances em tempo real.
Leonid possui um histórico no mundo online longe do que é considerado ideal pelo OnlyFans hoje em dia: na década de 90 ele comandava sites que disponibilizavam supostas senhas hackeadas para acessos a outros sites pornô.
Em um documento judicial, entretanto, a sua empresa Cybertania alega que, na verdade, esses sites pagavam a eles para que anunciassem seu acesso como algo “proibido”, um acesso que originalmente não deveria ser fácil para o usuário, e dessa forma estimulava o número de cliques pelos internautas.
Existe ainda outro aspecto mais preocupante em relação a esse período na vida profissional de Leonid: alguns desses anúncios de “senhas hackeadas” continham textos que simulavam crimes com menores de idade. Ao clicar no link, entretanto, o usuário não era levado a nenhuma página com conteúdo ilegal: essa estratégia basicamente buscava atrair cliques de pedófilos para aumentar os acessos ao site.
Branding
As informações apresentadas acima não são de conhecimento do grande público, mas esse é apenas um dos motivos pelos quais o OnlyFans atualmente está avaliado em U$ 1.2 bilhões. Alguns aspectos da marca e do mercado podem dar indicações de possíveis motivos que sustentam a resiliência da empresa, tanto da marca em si quanto de seu posicionamento digital.
Não a toa o Onlyfans passou por uma mudança em 2021: do aspecto “proibido”, simbolizado pelo cadeado, o logo agora remete a asas, como se tentasse personificar um sentimento de “liberdade” de seus criadores de conteúdo.
Quando pensamos em marcas associadas ao entretenimento adulto é bem provável que a Playboy venha a mente. A revista da década de 50 fez grande sucesso em todo o mundo, mas desde os anos 2010 vinha apresentando problemas no formato impresso, o que resultou no abandono das revistas físicas para concentração apenas em conteúdo digital.
E, quando pensamos no meio digital para esse tipo de conteúdo, diversos sites como PornHub vem à mente. Uma forma de negócios atreladas a estúdios que ficavam responsáveis pela rentabilidade (acessos e cliques a plataforma) e disponibilização na plataforma (algoritmos que davam destaques a determinados perfis e tipos de conteúdo).
E mesmo durante esse período, um local uni-se uma forma viável que verdadeiramente repassa-se valores expressivos aos criadores de conteúdo e servisse como um hub para os usuários acessarem não obteve sucesso até a chegada do OnlyFans.
Guardadas as (óbvias) devidas proporções, o case da empresa lembra o Spotify: uma lógica de consumo atualizada para o meio digital que formaliza o conteúdo consumido, aliada a uma plataforma acessível e ágil.
Exclusão ou regularização?
Em 2021 o OnlyFans chegou a divulgar que iria banir conteúdos referentes a pornografia em sua plataforma. mas por que uma empresa iria abdicar de sua maior fonte de conteúdo e rentabilidade por livre e espontânea vontade?
Esse comportamento não foi exclusivo da organização: outros sites fizeram o mesmo por conta do posicionamento de prestadores de serviços de pagamento que no mesmo ano tentaram dissociar-se da indústria pornográfica.
Uma investigação na época conduzida pelo New York Times encontrou imagens de estupro e abuso sexual infantil no Pornhub, o que acabou resultando na Mastercard e Visa proibirem o uso de seus cartões no site em dezembro de 2020, e reverberou em outras plataformas como o OnlyFans.
Em abril do mesmo ano a Mastercard anunciou um controle mais rigoroso sobre as transações de conteúdo adulto para reprimir materiais ilegais: os requisitos incluíam verificação e confirmação da idade e identidade se seus usuários de fora assertiva. E assim, diversas plataformas voltaram a aceitar os meios de pagamento por parte de seus usuários.
Esse é um aspecto extremamente sensível no mercado onde o OnlyFans atua: a regularização. Com o ocorrido em 2021, aparentemente a empresa passou por uma reformulação ao demitir o até então CEO, Tim Stokely, e substituí-lo por Ami Gan.
Qualquer tema referente ao entretenimento adulto é polêmico: existem boas práticas que devem ser adotadas e cobradas constantemente. Plataformas que possam ser vistas de forma mais próxima pelo seu público são preferíveis do que organizações escusas que podem operar no anonimato.
Seja pela qualidade de vida dos trabalhadores do mercado do sexo ou ainda visando facilitar um maior engajamento e cobrança pelos usuários e outras organizações (como foi o caso da Visa e Mastercard em 2021) para que ações sejam tomadas em relação a moderação de conteúdo, é importante mantermos visíveis empresas como o OnlyFans.
Resta observarmos se a plataforma irá aprimorar cada vez mais seus procedimentos de segurança, evitando que públicos indevidos obtenham acesso a ela, e como o mercado e orgãos públicos irão acompanhar de perto essa necessidade de regularização constante considerando o cenário digital, além da projeção de uma empresa que encontrou uma oportunidade de mercado e se estabeleceu nela de forma assertiva e engajada.
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Apenas uma palavra descreve esse artigo: AULA.
Parabéns pelo conteúdo. Na verdade, logo de cara ele entregou algo. Sempre que li algo a respeito do OF vinha uma historinha da carochinha que eles não tinham desenhado com esse intuito e "no meio do caminho" foram invadidos pelo nicho adulto/pornográfico. Porém, essa ideia nunca me desceu.
Algo assim aconteceu com o tumblr e até mesmo com o twitter/X, mas o OF sempre me pareceu que foi feito para isso. Agora ele sofre concorrência (como todo modelo de negócio escalável e replicável) de plataformas semelhantes de nichos e com preços ainda mais agressivos.
Porém, não deixa de ser um baita case de sucesso de negócio e Produto. Obrigado por compartilhar Estevão!
Que pedrada hem Estevan! A forma com que você abordou o assunto é trouxe dados e uma perspectiva inteligentíssima me cativou do início ao fim do texto! Valeu cada segundo de leitura! Parabéns 🚀💛