Por que o Brasil continua tão influenciável?
Entendendo o impacto das redes sociais e influenciadores digitais no processo de decisão dos clientes e usuários.
No mês passado pudemos experienciar no Brasil uma tendência um tanto quanto peculiar via diferentes redes sociais, em especial pelo TikTok: as lives de NPCs (non-player characters).
Além das análises de diferentes especialistas sobre como essa tendência que basicamente viralizou no país, também tivemos uma matéria escrita pelo Product Guru’s sobre o tema que ganhou destaque, trazendo algumas informações referentes a popularização das lives.
Nela constavam algumas informações que visavam entender minimamente o ambiente digital brasileiro para que pudéssemos entender melhor o fenômeno.
Como por exemplo uma pesquisa realizada em 2022, pela Statista e HootSuite revelando que 43% das pessoas já fizeram compras estimulados por influenciadores na internet no Brasil.
Nosso país ocupa a 2ª posição em relação ao número de influenciadores no planeta, com 10,5 milhões apenas no Instagram, ficando atrás apenas dos EUA.
Além dessas referências já divulgadas no artigo anterior, o mesmo ficou caracterizado por uma frase específica utilizada para descrever a ascensão da trend dos NPCs em território nacional:
“Com esse solo fértil, não demoraria muito para uma tendência como a dos NPCs chegasse por aqui. E foi por meio do influenciador Felipe Bressanim, conhecido como Felca, que ela foi popularizada em território nacional.”
- Trecho do artigo “A demanda por trás das lives de NPC” publicado pelo Product Guru’s
E é sobre esse terreno fértil que podemos observar mais a fundo o por que o Brasil, dentre todos os países do mundo, é o mais influenciável por meio das relações empregadas em territórios digitais?
Proporção continental
Um estudo mais recente da Statista mostrou a proporção não só do Brasil mas também dos demais países do mundo em relação as pessoas que já compraram produtos por influência direta de celebridades e influenciadores dentre o período de julho de 2022 a junho de 2023.
Nessa atualização em relação ao estudo anterior, o Brasil não só contínua no topo como aumentou em 1% o total de pessoas que responderam de modo afirmativo.
Em comparação com os dados da pesquisa feita entre novembro de 2017 e maio de 2019, o crescimento foi de 8%.
Proporção de respondentes da pesquisa realizada pela Statista considerando entre 2 a 10 mil de respondentes por país.
Outro levantamento realizado pelo Instituto QualiBest, entre 23 de janeiro e 15 de fevereiro de 2023, mostra uma relação mais abrangente com os hábitos de consumo do brasileiro de forma geral.
Dentre as principais referências utilizadas para tomar uma decisão na hora da compra, os respondentes desatacaram o “Google” (67%) como a principal, e as duas seguintes bem próximas uma da outra:
Google (67%)
Amigos e familiares (48%)
Redes sociais das marcas (45%)
O aspecto da proximidade entre segundo e terceiro motivos na lista chama a atenção, sendo que amigos e familiares tem quase a mesma relevância que as redes sociais das marcas (1/4 dos que seguem influenciadores os consideram entre suas principais fontes para decisões).
Proporção por rede social
Ao observarmos mais detalhadamente a relação de receita com base na arrecadação pela respectiva plataforma de ads (anúncios) por rede social de 2022 para 2023, o estudo conduzido pela Datareportal traz uma relação de aumento para todas as plataformas, com exceção de apenas duas redes:
Facebook: Números publicados nas próprias ferramentas da Meta indicam que o alcance potencial dos anúncios do Facebook no Brasil diminuiu 7,0 milhões (-6,0%) entre 2022 e 2023.
Youtube: Dados publicados nas próprias ferramentas de planejamento de anúncios do Google mostram que o alcance potencial dos anúncios do YouTube no Brasil aumentou em 4,0 milhões (+2,9%) entre o início de 2022 e o início de 2023.
Instagram: Dados publicados nas ferramentas de planejamento da Meta mostram que o alcance potencial dos anúncios do Instagram no Brasil diminuiu 6,0 milhões (-5,0%) entre 2022 e 2023.
TikTok: Dados publicados nas próprias ferramentas de planejamento de anúncios da ByteDance mostram que o alcance potencial dos anúncios do TikTok no Brasil aumentou em 8,1 milhões (+11,0%) entre o início de 2022 e o início de 2023.
LinkedIn: Dados publicados nas ferramentas de planejamento do LinkedIn mostram que o alcance potencial dos anúncios do LinkedIn no Brasil aumentou em 7,0 milhões (+13,5%) entre 2022 e 2023.
Twitter (X): Dados publicados nas próprias ferramentas de planejamento de anúncios do Twitter mostram que o alcance potencial dos anúncios do Twitter no Brasil aumentou em 5,3 milhões (+27,6%) entre o início de 2022 e o início de 2023.
Avaliação do cenário macro
O panorama da proporção da influência digital está bem clara, mas quais seriam os possíveis motivos para isso?
O primeiro ponto importante para essa resposta vem da acessibilidade à internet do brasileiro dos últimos anos até 2023: enquanto a média de usabilidade da internet no mundo é de 64,4%, no Brasil ela é de 84,3% (mantendo o país no top 40) segundo o estudo Digital Global Overview realizado pela We Are Social.
Outro dado importante divulgado pelo mesmo estudo coloca o Brasileiro com uma média de 09h32 utilizando a internet por dia, ocupando a segundo posição mundial (atrás apenas da África do Sul com 09h38/dia).
A popularização de smartphones no país também é relevante: atualmente temos 97,1% da população com acesso aos aparelhos conectados a internet.
De acordo com a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), em 1990 a habilitação para uma linha de celular custava U$ 22 mil. O custo alto tornava a obtenção de uma linha e aparelho extremamente elitizada.
Com a gratuidade para obtenção das linhas em si, a questão envolvendo status foi alterada, remetendo atualmente apenas na compra dos devices em si, visando agregar certo valor social ao modelo do aparelho obtido pelo cliente.
Mas a questão envolvendo o uso de internet para comunicação vai além do uso de celulares: vai de encontro com o perfil sociável do brasileiro em situações podem ser consideradas rotineiras por aqui, mas que em outros países com culturas mais reservadas são consideradas incomuns.
Ações como conversar com estranhos, puxar assunto nos mais diversos locais como supermercados ou ônibus, festejar, frequentar bares com pessoas desconhecidas, entre outros são comportamentos comuns em terras tupiniquins, mas que não são necessariamente vistos da mesma formas em outras regiões do mundo.
Sociabilidade como um dos fatores chave
Estudos sobre a percepção do sentimento de felicidade pela população brasileira realizados no passado já enfatizaram a relação entre renda e bem-estar subjetivo, mostrando que aumento da renda realmente impacta no bem-estar, mas que fatores relacionados à sociabilidade dos indivíduos também são essenciais para entendermos o grau de felicidade dos indivíduos brasileiros.
As análises do artigo “Renda, Relações Sociais e Felicidade no Brasil” reforçam isso: além das condições materiais (renda, educação e área de residência), fatores ligados às relações pessoais (casamento, amizade ou capital social e religiosidade) e a percepções sobre renda e saúde são fundamentais para explicar a variação no grau de felicidade da população brasileira.
Os fatores ligados à sociabilidade e à percepção dos indivíduos se somam aos efeitos da renda para explicar a variação no grau de felicidade da população.
São todos fatores que foram classicamente estudados pela sociologia, que sempre enfatizou a importância da integração dos indivíduos nas comunidades como fundamental para explicar a coesão e o sentimento de pertencimento dos indivíduos.
Assim, a satisfação com a vida dependeria não apenas das condições materiais, mas também do grau e sentimento de pertencimento que os indivíduos têm em relação a suas comunidades.
Do ponto de vista exterior também temos um indicativo em relação a sociabilidade como fator perceptível na comunidade brasileira: no ano passado a Booking.com elegeu o Brasil como um dos 10 países mais amigáveis do mundo para viajantes, ocupando a 8ª posição.
A pesquisa contou com mais de 1,2 milhão de prestadores de serviços de viagem ao redor do mundo, que receberam o reconhecimento pela hospitalidade.
Toda essa percepções também tem desdobramentos no meio virtual: em 2010 a média mundial era de 195 amigos por usuário em redes sociais de forma geral.
Já no Brasil esse número era de 395 -quase o dobro.
Essas informações mostram um possível indicativo de porque estamos tão conectados a internet e redes sociais: uma necessidade comum de socializarmos uns com os outros.
Fator pandêmico
Foi durante a pandemia que o Brasil passou a ter (ainda mais) destaque em relação ao tempo gasto em aplicativos: enquanto dados da Statista mostram que em 2019 o país empatava com a China em 36% dentre as pessoas que já haviam feito alguma compra por conta de um influenciador, foi em 2023 que esse número aumentou para 44% (quanto a China teve um pequeno aumento, totalizando 39%).
Não por acaso que o tempo diário gasto com aplicativos aumentou globalmente 45% entre 2019 e 2021, de acordo com um relatório publicado pela empresa de dados de mercado App Annie Intelligence.
Os brasileiros usaram seus smartphones diariamente por 5,4 horas em média no segundo trimestre de 2021.
Para efeito de comparação, o uso diário de smartphones no Brasil atingiu 3,8 horas em média em 2019 e 4,8 horas diárias em 2020.
Esse comportamento foi intensificado durante um período em que muitas pessoas ficaram em casa, com restrições sociais impostas durante o intervalo.
Como forma alternativa para manutenção de comunicação os brasileiros passaram a utilizar cada vez mais meios digitais.
Acontecimentos relevantes e reflexo nas redes
A Samba Digital, uma unidade de negócios da Sambatech focada em Transformação Digital, cita em seu artigo “BRAZIL’S SOCIAL MEDIA POPULARITY” um ponto chave em relação ao uso das redes sociais pelo brasileiro:
“Uma parte crucial dessas contas é permitir que eles se familiarizem com as tendências populares que continuam a mudar no Brasil e acompanhem o que as pessoas no país estão falando.”
Os grandes acontecimentos são parte intrínseca de parcela relevante dos usuários em diferentes redes sociais, tendo em vista eventos esportivos como a Copa do Mundo e Olímpiadas, programas como o Big Brother Brasil e outros exemplos de grandes proporções.
Uma geração Z com comportamentos distintos
A geração Z, composta por pessoas que nasceram entre 1997 e 2012, apresenta alguns comportamentos bem distintos em relação a gerações anteriores.
Segundo alguns estudos, algumas das mudanças de comportamentos incluem uma vida social menos intensa, com cada vez mais casos de adolescentes com tendência ao isolamento.
Isso se reflete, por exemplo, em um menor consumo de álcool. E vai muito além: existe uma diminuição das atividades consideradas adultas entre os adolescentes da geração postmillennial.
Os membros da geração Z também preferem não dirigir e têm menos relações sexuais do que as gerações anteriores quando tinham a sua idade, revela um estudo realizado pela Universidade de San Diego e pelo Bryan Mawe College.
Em geral, os membros da geração Z preferem ficar em casa a sair, aponta a pesquisa. E qual é a chave do seu entretenimento? As redes sociais.
Isso também impacta a mudança, pelo menos de parte da população (vale lembrar que muitos dos estudo citados concentram dados dos EUA),que passa a ter uma guinada de comportamento nesse sentido, especialmente quando consideramos a proporção dessa parcela com a população brasileira:
7,1% têm entre 13 e 17 anos
10,7% têm entre 18 e 24 anos.
Com essa interação digital cada vez mais popular, não é de se estranhar que a proporção de percepções de influenciadores digitais tende a crescer também.
Observando possíveis causas e consequências
Segundo a universidade de Siracusa no estado de Nova York (EUA), O uso excessivo das redes sociais também tem custos, incluindo dependência, solidão, depressão, redução da autoestima e redução da capacidade de desenvolver relacionamentos significativos.
Atrelada a questão envolvendo os influenciadores, essas consequências podem ser ainda mais nocivas do ponto de vista do usuário. A mudança de referências de confiabilidade pode abrir espaço para fake-news de forma geral, ou seja, tanto relacionados a política quanto a reputação de produtos e empresas.
Outro ponto importante para destaque é a questão do uso da influência por parte de personalidades na internet, uma vez que a gestão de carreira nem sempre é considerada em questões relacionadas pelos influenciadores.
Isso significa, na prática, que influenciadores atualmente são um dos fatores mais levados em consideração pelos consumidores para compras de produtos, porém não necessariamente possuem uma estabilidade e fit para que desenvolvam uma relação a longo prazo entre marca/audiência.
Cabe aos profissionais de produto entenderem de forma detalhada as causas por trás da grande influencia dos brasileiros pelas redes sociais para não só buscar pelo crescimento, mas conscientização de seu público-alvo.
Isso porque o LTV (Lifetime Value) do cliente deve ser priorizado: um vínculo duradouro tem grandes benefícios, mantendo uma relação de continuidade e transparência, em detrimento a um relacionamento que pode ser lucrativo em um primeiro momento, mas não sedimenta ganhos futuros.
Como profissionais de produto é de suma importância considerarmos o contexto como um todo, buscando visualizar a longo prazo como o contexto nacional pode desempenhar papel fundamental em estratégias de lançamento, manutenção e recuperação de clientes.
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