Seria a pessoa de produto também uma mestre de cerimônia?
Geralmente a minha resposta gera uma cara de confusão nas pessoas e foi por isso que decidi escrever este artigo.
Desde que comecei a trabalhar com produto reservo uma hora por semana para falar com pessoas interessadas na área. No início eram pessoas em transição de carreira, mas conforme fui me desenvolvendo na área, o nível de senioridade das pessoas com quem falo foi mudando bastante. O que não mudou foi uma pergunta que se repete em casa conversa: Como são os rituais do seu time?.
Geralmente a minha resposta gera uma cara de confusão nas pessoas e foi por isso que decidi escrever este artigo.
Por que as pessoas de produto falam tanto de rituais?
Do ponto de vista prático, eu acredito que as pessoas de produto se interessem pelos rituais porquê, em linhas gerais, elas são (ou deveriam ser) as responsáveis pelos resultados do time e a organização de como o dia a dia vai acontecer, na maioria das vezes, faz parte desse escopo.
Se você procurar agora por vagas abertas para produto, vai ver que conduzir cerimônias está nas funções esperadas da maioria delas. Isso não veio do nada, obviamente. O papel do PO fica embutido na função de produto e isso vira um grande megazord que resulta nessa ideia de que a pessoa de produto deve ser, de certa forma, a dona de todas as cerimônias – os agilistas também ocupam esse lugar em algumas empresas, mas não vou me demorar nessa pauta.
Do ponto de vista filosófico, definir as cerimônias de um time é, literalmente, definir a dinâmica de trabalho e isso tem impacto não só nas entregas, mas também no quão satisfeito ficaremos com as nossas 8 horas diárias de trabalho. E é por isso que passei a dedicar tempo para estruturar rituais da melhor forma possível para cada time em que trabalho. Para mim, não tem nada mais estratégico do que ter um bom funcionamento tático.
O Scrum já não define os rituais que devem ser feitos?
Você provavelmente se fez essa pergunta quando bateu os olhos neste artigo, eu sei. Mas a resposta para mim é: não. O Scrum é um framework e, na minha humilde opinião, é um bom ponto de partida, mas não uma fonte da verdade.
Você provavelmente já sabe, mas vale lembrar que o Scrum foi criado com base no Manifesto Ágil composto por apenas 4 valores:
1. Indivíduos e interações mais que processos e ferramentas
2. Software em funcionamento mais que documentação abrangente
3. Colaboração com o cliente mais que negociação de contratos
4. Responder a mudanças mais que seguir um plano.
Gosto sempre de relembrar esses valores porque eles me fazem pensar que não adianta tentar fazer uma situação se encaixar a um framework, deveria ser o oposto. As ferramentas que temos deveriam nos servir para que o trabalho gere mais resultado e seja mais agradável.
Como lidar com os rituais de um time?
Eu não acho que exista uma receita de bolo que vai se encaixar em todos os times do mundo, mas acredito que tenham alguns pontos universais que podem ajudar nisso:
Entender o que é essencial no momento do time
Um ótimo primeiro passo, principalmente para times que estão começando e/ou em que você está chegando, é entender o momento em que o time está e o que é essencial para garantir os resultados esperados para este produto.
Por exemplo, se você está chegando em um time que já tem suas cerimônias definidas, não será você com o pé na porta que vai mudar tudo. Ao mesmo tempo, você vai precisar se o que já existe é suficiente ou está estruturado de forma que você terá a visibilidade que precisa.
Você quer ser fiel ao Scrum ou micro gerenciar o trabalho dos outros?
Ao definir o que é essencial para o time, sempre vale se perguntar se você quer ser uma pessoa fiel a um frame ou se só quer micro gerenciar o trabalho das pessoas mesmo. Para mim isso está muito relacionado à cultura da empresa/time. Me ajuda muito pensar sobre isso sob a premissa de que todos estão fazendo seu melhor e são competentes no que fazem, logo eu não preciso gastar energia micro gerenciando o trabalho de ninguém. Posso usar essa energia entendendo o motivo para as coisas não irem como o esperado e como vamos voltar aos trilhos quando sairmos – responder a mudanças mais que seguir um plano.
Definir os acordos de trabalho e rituais com o time
Nós pessoas de produto tendemos a achar que devemos liderar tudo o tempo todo. Eu discordo muito disso. Definir os rituais do time deve ser um momento com o time todo, deve passar por definições claras do objetivo de cada ritual e pelo alinhamento de quem deve facilitar os rituais.
Eu sei que abrir mão do controle é difícil, mas pense em quanta carga mental será reduzida de todo mundo se a maioria das cerimônias puder ser facilitada por qualquer pessoa do time ao invés de sempre centralizada em você.
Acho importante para essa discussão sobre rituais que você, pessoa de produto, traga o que acha inegociável e por quê. Por exemplo, para mim, ter cerimônias de planejamento bi-semanais é inegociável porque me ajuda a manter o time alinhado, acompanhar o progresso e ajustar a rota com base em fatos novos, mas já estive em situações onde elas se tornaram mensais porque estávamos no meio de algo tão claro e extenso que esse ritual mudou. Surpreendentemente, eu não me tornei uma PM pior por isso, pelo contrário, diria que melhorei por me adaptar.
Devo acordar amanhã e mudar todos os meus rituais?
Não faça isso, por favor. Se você puder tirar apenas uma mensagem deste artigo, eu espero que seja a seguinte:
O processo de trabalho deve atender às necessidades do time e deve ter um propósito claro. Fazer isso é uma maratona, não uma sprint – perdão pelo trocadilho.
Pode ser que o que funciona hoje não funciona daqui a um mês; por isso, é mais importante rever os acordos de trabalho com uma certa frequência do que esperar que após definir uma vez, tudo vai ficar perfeito para sempre.
Não sei vocês, mas o que me faz gostar do meu trabalho é que nenhum dia é igual ao outro. O lado ruim disso é que minha única certeza é que terei imprevistos sempre e a única coisa que controlo é como vou lidar com eles sem me estressar tanto.