Série | Por Dentro do Mercado Livre

Parte 1: A engenharia mais produtiva da América Latina ninguém está vendo

jun 16, 2025

O Mercado Livre construiu, em silêncio, um dos sistemas operacionais mais sofisticados do mundo para e-commerce, logística, fintech e publicidade, tudo a partir da América Latina.

Com mais de 18 mil engenheiros, 30 mil deploys diários, uma plataforma própria de IA e microsserviços e apenas 5% de PMs, a companhia desafiou o modelo tradicional de crescimento das big techs e criou o seu próprio. Hoje, vale mais do que eBay e PayPal somados, entrega 5 milhões de pacotes por dia e sustenta a operação digital de mais de 570 mil pequenos negócios na região.

Esta série traz uma análise aprofundada do funcionamento interno do Meli, baseada em entrevistas e em relatórios internos de engenharia, produto e estratégia da companhia.

Não é uma história de produto.
É um estudo de caso sobre escala, cultura, tecnologia e execução em ambientes complexos.

Parte 1: A engenharia mais produtiva da América Latina ninguém está vendo

O Mercado Livre não parece uma big tech. Não nasceu no Vale do Silício, não tem fundadores famosos fora da região e não tem um produto sexy para o público americano. Mas enquanto empresas como OpenAI, Uber e Adobe operam com milhares de engenheiros para entregar produtos incrementais, o Meli movimenta 18 mil desenvolvedores distribuídos em 18 países e consegue lançar, iterar e escalar funcionalidades com uma velocidade brutal: 30 mil deploys por dia.

Não é exagero. É design organizacional deliberado.

O que pouca gente vê é o sistema invisível que torna isso possível. Não se trata apenas de headcount ou DevOps. Trata-se de como o Meli transformou infraestrutura interna em estratégia, e engenharia em cultura.

Por que a Fury é o verdadeiro diferencial do Mercado Livre

Toda empresa que escala software passa por um ponto de ruptura. Chega um momento em que os times são grandes demais para confiar em processos manuais e silos de conhecimento. O Mercado Livre antecipou esse colapso, e reagiu com uma resposta radical: construir sua própria plataforma de desenvolvimento.

Nasceu aí a Fury, hoje considerada o motor oculto por trás da operação.

Ela é o que permite deploy contínuo, rollback automático, provisionamento self-service e abstração completa de infraestrutura, incluindo Kubernetes, CI/CD e até inteligência artificial para automação de escalabilidade. Veja os ganhos:

A Fury não é um produto à venda. Mas é a diferença entre operar com confiança ou com medo.

GitHub Copilot, microsserviços e deploy como rotina

Mais de 9.000 engenheiros no Meli usam GitHub Copilot diariamente. O dado mais interessante: isso reduziu o tempo de escrita de código em cerca de 50%, segundo o próprio relatório estratégico da empresa.

Mas o mais impressionante é o ritmo de integração contínua:

Mais rápido que OpenAI, mais estável que Uber

Enquanto empresas em mercados maduros lidam com estruturas pesadas, handoffs e camadas de middle management, o Meli optou por outro caminho: mais plataforma, menos processo.

O que isso gera?

Deploys diários sem reunião de aprovação.
Microsserviços independentes sem explosão de bugs.
Observabilidade com alertas preditivos e diagnósticos automáticos.
Times que não pedem permissão para lançar, só precisam de contexto e responsabilidade.

É o que Sebastián Barrios, ex-SVP de Tecnologia do Mercado Libre, descreve como “modo fundador no C-level”. Ou seja: a obsessão por detalhe, clareza e impacto direto vem de cima. Métricas importam, mas a primeira pergunta é sempre: “o usuário vai entender isso? Vai funcionar para ele?”.

Lições práticas para quem confunde escala com headcount

Você não precisa de mais gente. Precisa de menos atrito.
Velocidade sustentável vem de plataforma, não de urgência.
Microsserviços sem sistema de suporte viram caos.
A IA é útil quando tira peso da engenharia, não quando é só buzz.

A engenharia do Mercado Livre é talvez a mais produtiva da América Latina, e uma das mais avançadas do mundo. Não porque tem mais gente, mas porque trata a engenharia como produto.

No próximo capítulo da série, a pergunta que parece loucura e que talvez defina o futuro da profissão de PM: Como o Mercado Livre opera com apenas 5% de product managers… e ainda assim lança mais rápido que todo mundo?