A Inteligência Artificial tornou-se a nova febre do capital global. De startups a governos, todos tratam a IA como o motor inevitável do futuro, e talvez estejam certos. Mas há algo familiar nesse otimismo: o comportamento coletivo é o mesmo que precedeu as maiores bolhas da história recente.
O AI Index 2025, de Stanford, mostra que os investimentos privados chegaram a 109 bilhões de dólares em 2024. Só o segmento generativo capturou 34 bilhões. O paradoxo é claro: o dinheiro flui mais rápido que o retorno.
Voidzilla, criador e comentarista tech, sintetiza o clima de euforia e confusão no vídeo “The State of the Bubble”. Ele ironiza: “Não, eu não estou pegando fogo. São só minhas GPUs.” E depois resume a sensação coletiva: “Estamos colocando uma alavancagem enorme no sistema… mas não vejo isso acabar nos próximos anos.” A fala resume o dilema. Todo mundo reconhece o excesso, mas ninguém quer ser o primeiro a parar de investir.
Essa mentalidade, que Mark Zuckerberg traduz bem ao dizer que “o risco maior é construir devagar demais e perder o timing da superinteligência”, cria o paradoxo clássico das bolhas: o medo de ficar para trás supera o medo de quebrar. Economistas chamam de reflexividade: a crença no crescimento infinito impulsiona o próprio crescimento, até que a realidade chega.
O padrão das bolhas
Toda bolha nasce de uma verdade. Nos anos 90, a internet prometia conectar o mundo, e bastava ter “.com” no nome para levantar milhões. Ficaram Amazon, eBay, Google. O mesmo ocorreu com as criptomoedas e os NFTs: ideias reais, fundamentos frágeis, correções brutais. Como mostraram Goldfarb, Kirsch e Miller no Journal of Financial Economics, o problema não foi excesso de inovação, mas entrada sem qualificação. Muito dinheiro, pouco discernimento.
A IA segue o mesmo roteiro, só que em escala maior. Segundo a Harvard Business Review, cada nova onda tecnológica encurta o ciclo entre invenção e adoção. A consequência é previsível: pressa, hype e desalinhamento. A Gartner estima que até 85% dos projetos de IA corporativa falham, não por falta de talento, mas por ausência de conexão com métricas de negócio. É inovação de vitrine.
O novo combustível do hype
Voidzilla mostra a engrenagem que alimenta a euforia: Nvidia vende chips para OpenAI e Anthropic; essas startups levantam rodadas bilionárias para comprar mais chips; os investidores reinvestem o lucro da Nvidia nas mesmas empresas. “Parece bagunçado”, ele comenta. “Parece bubble mechanics.”
O ciclo é autossustentado, mas artificial. Ed Zitron, crítico ferrenho do setor, lembra que Anthropic gasta cerca de 33 milhões de dólares por mês, “menos do que o Cincinnati Reds fatura”, enquanto justifica valuations de dezenas de bilhões. O TechCrunch reforça: startups de geração de código como Lovable e Replit operam com margens negativas “abissais”.
O State of AI 2025, da Bessemer Venture Partners, detalha essa diferença: as chamadas Supernovas, que crescem rápido demais, têm margem bruta de 25%; as Shooting Stars, sustentáveis, chegam a 60%. A Builder.ai, símbolo da euforia, levantou centenas de milhões e entrou em insolvência em 2025. É o mesmo padrão que o MIT Sloan chamou de “imaginação à frente dos fundamentos”.
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O custo supera o valor
Os custos operacionais da IA são o calcanhar de Aquiles. Cada chamada de API, cada GPU ativa, cada hora de inferência pesa no caixa. O AI Index mostra que infraestrutura e dados são as maiores barreiras à escala. O que começa como inovação logo vira dívida tecnológica. Empresas pagam caro por soluções que brilham em demos, mas geram pouco impacto no resultado.
Como descreve o relatório Mega Forces (BlackRock, 2025), “quando o capital é abundante e as narrativas são fortes, os preços se separam dos fundamentos; a correção é inevitável.” É o mesmo mecanismo observado antes de toda bolha industrial: euforia primeiro, eficiência depois.
Quem sobrevive à correção
A história mostra que nem todos quebram. A Cohere, especializada em modelos empresariais, dobrou sua receita anualizada para 100 milhões de dólares, segundo a Reuters. O SoftBank, que já amargou a bolha das pontocom, agora investe em infraestrutura, chips, energia, data centers. E gigantes como Google, Microsoft e Meta usam IA para reforçar produtos já consolidados, com bases de receita estáveis.
Voidzilla destaca o ponto: “Se é uma bolha, é uma bolha boa.” Assim como na biotecnologia dos anos 90, que gerou perdas financeiras, mas também medicamentos que salvaram vidas, o capital excessivo pode acelerar o progresso. A diferença é que a IA tem escala global e impacto transversal, de código a logística, de mídia a ciência.
Entre hype e valor
A linha que separa inovação real de especulação é simples: a IA só é diferencial quando conecta dor concreta do usuário a métrica crítica do negócio. Features cosméticas geram manchete; fundamentos geram vantagem competitiva.
Antes de lançar qualquer projeto de IA, pergunte:
Se eu remover isso amanhã, o produto perde valor ou só perde marketing?
Isso gera receita recorrente ou depende de nova rodada?
Cada novo cliente aumenta margem ou custo?
Esse filtro, inspirado na teoria de vantagem temporária de Rita McGrath, evita que empresas tratem IA como acessório e ajuda a transformá-la em alavanca de resultado.
Bolhas são parte do sistema
A McKinsey chama isso de “fracasso produtivo”. Bolhas aceleram o aprendizado, filtram as ideias fracas e pavimentam o caminho para as que resistem. A internet só amadureceu depois do colapso de 2000. A energia limpa avançou após a correção verde de 2008. A IA seguirá o mesmo ciclo: euforia, correção, maturidade.
“É uma bolha? Sim. Mas de que tipo?”, pergunta Voidzilla. “Boa, ruim, pequena, grande?” A resposta talvez seja: todas ao mesmo tempo. Há bolhas ruins, como a de 2008, que destroem riqueza. E há bolhas boas, como as industriais, que constroem o futuro com o dinheiro que se perde.
O que vem depois da euforia
A IA é uma das seis “Mega Forces” que moldarão a próxima década, segundo a BlackRock. Mas para ser força e não moda, precisa atravessar o filtro da utilidade. Não é o fim da tecnologia, é o fim da ilusão de que basta colar “AI” no nome do produto para criar valor.
Estamos, novamente, em um ponto de inflexão. De um lado, a promessa real: produtividade, personalização, eficiência. Do outro, a febre por manchetes e valuations inflados. A bolha da IA vai estourar. Mas, como toda bolha, o que sobra depois é o que realmente importa. O ruído vai sumir; o valor vai ficar. E quem entender isso antes, não vai temer o colapso, vai construir sobre ele.
adorei o texto, btw. superbem embasado, escrito, interessante
o descompasso entre capital e retorno é mesmo problemático.
e a vdd é que, a curto prazo, quem não entendeu como jogar o jogo vai acabar levando uma bela bronca justamente de quem trouxe o top-down (e que, cá entre nós, também acho que não fazia a menor ideia do que tava falando além da perfumaria corporativa). a ansiedade em escala que a gente já conhece, fantasiada de inovação.