No dia 14 de maio de 2025, Uber e iFood anunciaram um movimento que pode redefinir o mercado digital brasileiro: a integração de seus aplicativos.
Parece só conveniência. Mas por trás do discurso de “vida mais fácil para o usuário”, está em jogo muito mais: acesso cruzado a bases de usuários gigantes, guerra defensiva contra novos entrantes e uma nova fase de consolidação do poder digital no país.
Este artigo destrincha os motivos, impactos e riscos dessa parceria. E por que ela é um alerta para concorrentes, reguladores e até para os próprios usuários
O que realmente muda
O iFood vai ganhar uma aba de mobilidade com corridas da Uber. A Uber terá uma aba de entrega com os serviços do iFood.
Isso não é só uma parceria comercial. É uma fusão operacional de experiência. O usuário não sai do app. Não abre outro. Tudo acontece em um só ambiente. Tecnicamente, isso exige um nível profundo de integração e cria a sensação de um superapp, mesmo sem dizer esse nome.
A ideia é simples: um aplicativo para resolver a vida inteira. O modelo asiático de plataforma integrada chegou de vez ao Brasil.
Por que agora?
Três pressões explicam o timing.
Primeiro, a Meituan está chegando. Com o app Keeta, a gigante chinesa promete investir 1 bilhão de dólares no Brasil.
Segundo, Rappi e 99Food estão relançando estratégias agressivas. Tarifas zeradas, preço baixo e discurso de independência para restaurantes.
Terceiro, a Uber quer voltar ao delivery, mas sem repetir o fracasso do Uber Eats. Em vez de tentar de novo, preferiu se aliar a quem já domina o setor: o iFood.
Ou seja, a parceria é um escudo defensivo contra novos entrantes e uma arma ofensiva para consolidar ainda mais o domínio dos dois gigantes.
O jogo dos dados e do LTV
Se metade dos usuários da Uber e do iFood nunca usaram o outro serviço, temos aqui o verdadeiro motor da parceria: a conversão cruzada de bases.
Menor custo de aquisição. Maior valor de vida útil do cliente. Mais frequência. Maior ticket médio. Mais fidelização.
Só o iFood processa 120 milhões de pedidos por mês. A Uber tem cerca de 30 milhões de usuários ativos no Brasil. Converter parte desse volume em uso cruzado é uma alavanca direta para crescimento de receita, sem aumentar a base.
Mas o dado mais estratégico está no backend. Viagens, pedidos, localização e preferências em um só perfil de usuário. Isso permite campanhas mais eficazes, personalização agressiva e até novos produtos como crédito, seguros ou carteiras digitais. O iFood já atua como fintech. A Uber também.
O risco da concentração
Para o consumidor, a promessa é tentadora. Tudo em um só lugar.
Mas quanto maior a concentração, menor a concorrência.
Com mais de 80% do market share de delivery de alimentos, o iFood já é dominante. Se essa integração reduzir o incentivo para que os usuários explorem concorrentes como Rappi ou 99Food, o mercado pode se fechar ainda mais.
Com menos alternativas viáveis, cresce o risco de:
• redução de promoções e cashback
• condições piores para restaurantes pequenos
• queda na renda e autonomia de entregadores e motoristas
A Proteste já alertou que menos opções pode significar mais taxas e menos poder de escolha no médio prazo.
O CADE vai deixar?
A parceria não é fusão. Mas amplia o poder de mercado. E isso já é suficiente para acender o radar do CADE, que impôs limites severos ao iFood em 2023 por causa de contratos de exclusividade.
Agora, a preocupação não é o contrato. É o efeito combinado. Ao criar um ecossistema integrado e dominante, Uber e iFood podem travar a porta para novos entrantes. O desafio para o CADE será entender se essa concentração viola o espírito do acordo anterior, mesmo sem quebrar as regras.
O que esperar agora
A parceria começa em poucas cidades. Mas o movimento já está dado.
Para Uber e iFood, o desafio é entregar uma experiência sem fricção e manter a confiança de usuários, parceiros e reguladores.
Para os concorrentes, resta buscar diferenciação radical ou formar alianças próprias. Oferecer algo que os superapps não ofereçam.
Para restaurantes e motoristas, é hora de rever condições, diversificar canais e pressionar por termos mais justos.
Para os reguladores, é um teste de maturidade. O país está preparado para lidar com ecossistemas digitais dominantes?
☕️ vamos refletir
Essa parceria marca uma nova fase. Menos apps, mais ecossistemas. O usuário ganha em conveniência, mas perde em diversidade. As empresas ganham em dados, mas precisam provar que isso não será usado contra o interesse do público.
Uber e iFood não estão só integrando serviços. Estão testando os limites do mercado, da regulação e da confiança social na era dos superapps.
O que vem depois depende de como cada parte reage agora.
Tá, mas e a América Latina?
O Brasil é o maior mercado da Uber na região e o principal laboratório do iFood. Se a parceria funcionar aqui, é provável que esse modelo de integração se repita em países como México, Colômbia ou Chile.
Concorrentes locais e globais terão que decidir: resistem sozinhos ou buscam seus próprios blocos estratégicos? Porque o futuro não parece mais ser de apps isolados, mas de ecossistemas integrados disputando atenção, dados e transações do usuário.
O modelo de concentração de aplicativos de modo que o usuário pode acessar outros serviços sem mudar de aplicativos é muito usado na China e pelo que leio os consumidores adoram . Boas chances de ser um primeiro movimento nesta direção no Brasil . Vamos acompanhar ..
Para o consumidor é uma estratégia muito boa, pois irá pagar menos em taxas de entrega e agilidade. Para os concorrentes, preocupante, pois pode acontecer como cita a matéria, gerar uma "exclusividade" ao produto do Ifood. Interessante.