Uma perspectiva de produto sobre a aquisição do Starbucks pela Zamp no Brasil
Como será a experiência do ponto de vista do usuário no Starbucks mais próximo de você?
No final do ano passado uma manchete estampou boa parte dos jornais e sites: a empresa SouthRock Capital, operadora da rede de cafeterias do Starbucks no Brasil desde 2018, havia entrado com um pedido de recuperação judicial no dia 31 de outubro por conta de uma série de problemas financeiros.
A empresa também operava as marcas Subway (que também solicitou pedido de recuperação judicial no início de 2024), TGI Fridays e Eataly (que foi vendido entre janeiro e fevereiro de 2024).
Em documento apresentado a justiça, alguns dos motivos apresentados pela SouthRock Capital dos problemas enfrentados que levaram a empresa a fechar 43 lojas Starbucks desde seu pedido, tiveram relação com:
Cenário geral da economia brasileira;
Impactos da pandemia de Covid-19 (a empresa atribui a queda de 95% nas vendas em 2020);
Vendas ainda baixas em 2021 e 2022, que não permitiram a "plena recomposição de seu fluxo de caixa";
Dificuldades para obtenção de capital de giro (ou seja, recursos para suas despesas operacionais) junto às instituições financeiras.
O pedido de recuperação apresentado registra um total de R$ 1,8 bilhões em divididas, onde 80% do endividamento tem origem em “operações que foram garantidas por cessões fiduciárias de recebíveis oriundos das receitas de seus restaurantes", ou seja, a maior parte da dívida está vinculada ao dinheiro que tem a receber, mas já está comprometido para o pagamento de contas futuras (credores e fornecedores).
As lojas fechadas apresentavam déficit vertiginoso, mas as que foram mantidas continuam a operar mesmo após o pedido recuperação judicial, porém com dificuldade (falta de produtos em estoque, por exemplo).

Prazer, Zamp
É provável que, se você não está familiarizado com o setor de foodservice nacional, você não conheça a Zamp, operadora de grande porte no Brasil pelas marcas Burger King e Popeyes.
Inicialmente chamada de “Burger King Brasil”, a Zamp trouxe a marca BK em 2004, quando inauguraram o primeiro restaurante no Shopping Ibirapuera.
Em 2011, após o Burger King Corporation ser adquirido pelo grupo 3G Capital, foi iniciada a operação própria no país, através de uma joint venture entre ela e a Vinci Partners.
De 2011 pra cá cresceram consideravelmente, atualmente somando mais de 16 mil colaboradores e estando presentes em todos os estados brasileiros, com cerca de mil restaurantes (apenas considerando a marca Burger King).
No mês de junho desse ano, o conselho da Zamp aprovou a compra da rede de cafeterias no país pelo valor de R$ 120 milhões: primeiro passo desde que a Mubadala, gestora de private equity que tem como principal investidor o fundo soberano de Abu Dhabi, passou a ter maior participação na empresa.
O quadro de colaboradores, antes da aquisição do Starbucks, era de 17 mil ao todo (sendo que apenas os administrativos correspondiam a aproximadamente mil), e desde 2011 saltou de 200 pra mais de 1.000 lojas, tornando a Zamp a maior franqueadora do BK (desconsiderando os EUA) do mundo.
Uma perspectiva de produto
Do ponto de vista de produto, a empresa tem diversas iniciativas interessantes que valem ser ressaltadas, em especial envolvendo a marca Burger King: aplicativo próprio, totens de autoatendimento para pagamento (Kiosks), plataforma de delivery próprio e parceria com terceiros (iFood e Rappi), CRM integrado e tantas outras.
Entretanto, existe uma em específico que possui grande destaque: seu programa de fidelidade, o Clube BK, o maior programa de fidelidade do setor de restaurantes da América Latina com aproximadamente 10,7 milhões de usuários cadastrados até o final de 2023.
Segundo matérias apuradas, não é exagero considerar o Clube BK como o principal driver da estratégia de CRM da companhia, já tendo registrado marcar incríveis como 1,4 bilhão de pontos emitidos e mais de 5 milhões de produtos resgatados (como hamburgers, acompanhamentos e sobremesas).
Detalhamento do tutorial de como fazer parte do Clube BK, divulgado via página do Burger King no Youtube.
Ele também é um dos aspectos fundamentais no que diz respeito as vendas digitais da empresa, responsáveis por mais de 35% do faturamento da Zamp, por conta da sua estratégia de otimização da jornada digital de seus clientes.
O tutorial acima exemplifica como é extremamente simples a adesão de novos clientes ao clube: esse é um dos pontos importantes para entender como direcionas consumidores para a solicitação de pedidos digitais, com o objetivo de fidelizá-los dessa forma, uma vez que, dentre os usuários brasileiros que realizam compras online, 89% deles utilizam seus smartphones, segundo pesquisa divulgada pelo Mercado & Consumo.
Mas a facilidade é apenas um meio para um fim: proporcionar uma experiência positiva para o cliente ajuda a manter a utilização constante da plataforma (além, claro, também às promoções personalizadas e recompensas), o que por sua invés gera mais dados para mapear seus hábitos e preferências. Dessa forma, é possível ter insumos suficientes para personalizar a jornada do consumidor.
Iniciativas do Clube BK e concorrência
Por meio do Clube BK, a empresa também traz diversos eventos sazonais que são, algumas vezes, atrelados as parcerias como outras marcas: como por exemplo a série Round 6 (Squid Game no original), Sonic, e diversas outras.
Existem eventos do próprio Burger King também que influenciam no Clube: no Taca Fogo, por exemplo, os clientes chacoalham os seus celulares para obter ofertas exclusivas, pontos no Clube e lanches grátis.
Na última Black Friday, a campanha Taca Fogo foi responsável por mais de 2 milhões de downloads do aplicativo próprio. Q quantidade de vezes que o app foi baixado no período representou 25% a mais na base de usuários em comparação com as informações do balanço do 3º trimestre de 2022 divulgado pela Zamp.
Outro exemplo famoso foi a campanha de Hallowen do ano passado: os clientes podiam apontar a câmera dos celulares, “caçar um fantasma” e receberem uma recompensa (que poderia ser diretamente um lanche ou pontos para resgate via o próprio Clube BK).
Com iniciativas como essa no Clube BK, presentes desde 2021 no Brasil, não foi à toa que seu maior concorrente, o Mc Donald’s, teve que correr atrás e lançou seu o próprio programa de fidelidade apenas em 2023, visando ampliar ainda mais suas vendas via canais digitais no país (que, ate então, já representavam 61% de suas vendas totais).
O momento atual da Zamp
Segundo resultados do primeiro trimestre de 2024 divulgados pelo CEO da empresa até então, Ariel Grunkraut, o faturamento cresce de forma consistente (+16% em comparação ao ano passado), alavancado por suas vendas digitais de R$ 510 milhões (+46%), atingindo 17 milhões de usuários no Clube BK.
Ou seja, as ações parecem desempenhar seu papel em se tratando do programa de fidelidade e seu aumento de vendas de forma online.

Entretanto, desde o mês de julho o novo CEO passa a ser Paulo Camargo, executivo com sólida experiência como presidente da Arcos Dourados entre 2015 e 2022, além de membro do board de diretores da IMC entre 2023 e 2024: esse movimento marca uma movimentação da Zamp de ampliação de negócios, agregando novas marcas do setor alimentício sob seu guarda-chuva, visando consolidar-se como uma house de operações de fast-food e alimentação.
Em entrevista, Paulo ainda comentou que “nosso trabalho na Zamp, agora, é conseguir trazer o melhor de cada uma dessas marcas ao nosso universo, buscando excelência operacional, começando pelo cliente interno, como empregadores, destacando o que cada uma dessas marcas tem de melhor”, o que indica a ampliação ainda mais enfática de seu portfólio.
O futuro dos clientes Starbucks
Feita essa introdução a Zamp, podemos nos aprofundar em relação a como a marca Starbucks será trabalhada no Brasil: como esse grande know-how da Zamp pode ajudar na recuperação da grande rede de cafeterias, em especial da perspectiva do programa de fidelidade?
Originalmente lançado no Brasil em 2014, o Starbucks Brasil passou por uma revisão de seu programa de fidelidade em 2021, repaginando a marca Starbucks Rewards com regras e premiações mais claras em relação ao seu uso, incluindo a capacidade de resgatar estrelas (que eram obtidas a cada R$ 2,50 em compras na loja ou no aplicativo Starbucks Brasil) por itens do menu (bebidas e comidas) e produtos, como canecas e copos reutilizáveis da Starbucks.
Entretanto, vale ressaltar que o programa foi descontinuado no ano passado devido a crise financeira pela qual a SouthRock Capital passou: nem os antigos Starbucks cards passaram a ser aceitos pelas cafeterias.
E é aí que entre, talvez um dos maiores questionamentos do ponto de vista de tecnologia dessa aquisição: como a empresa que tem o maior case de fidelidade de clientes passará a explorar a marca Starbucks?
O case Starbucks Rewards nos EUA
Vale ressaltar que, nos EUA, o case envolvendo o programa de fidelidade do Starbucks é um dos mais bem sucedidos do mundo, com marcas impressionantes referentes ao primeiro trimestre de 2023 de mais de 30 milhões de usuários ativos (sendo que, atualmente, a empresa registrou 33 milhões de usuários ativos nos últimos dias).
Não apenas isso: o programa de fidelidade da empresa possui mais dinheiro em circulação do que muitos bancos estadunidenses, mas o aplicativo voltado a programa de fidelidade no foodservice dos EUA mais popular é o da própria rede de cafeterias, segundo estudo publicado em 2018 pela The Manifest.

Mas como o programa nos EUA funcionam exatamente? De forma simplificada, os clientes podem se inscrever gratuitamente e começar a acumular pontos usando um aplicativo. Por ele, é possível acessar a um painel onde é possível consultar seu saldo de pontos e explorar o menu, além de fazer pedidos.
Existem dois níveis com base nos quais os membros recebem recompensas: verde e dourado, e a diferença entre eles é puramente baseada em pontos.
O nível verde é o nível padrão de quando um novo membro ingressa: todos permanecem no nível verde até atingirem 450 pontos, e é aí que eles sobem para o Nível Ouro, desbloqueando uma nova variedade de recompensas.
No entanto, para manter o status Ouro, os usuários precisam atingir 450 pontos a cada 12 meses: se não conseguirem ganhar pontos suficientes até a data do próximo aniversário de ouro, eles voltam ao nível verde.
Do ponto de vista do usuário, como a marca consegue gerar valor visando estimular que seus usuários utilizam o Rewards?
Simplicidade e acessibilidade
O sistema é muito simples, e ao evitar requisitos complicados e complicações para começar a utilizar, o Rewards torna-se o mais fácil possível para os clientes ganharem recompensas. Isso garante que os membros não percam o interesse rapidamente e que a barreira de acesso para passar a utilizar a plataforma seja baixa.
Poder da marca
A Starbucks tem uma marca forte e facilmente reconhecível, amparada por todos os seus esforços de marketing e comunicação a nível global. Não é surpresa que eles tenham aproveitado isso em seu programa de fidelidade, ao reforçar aspectos visuais da marca em sua plataforma (como por exemplo usar cores específicas verde e dourado para os níveis de recompensa). Além disso, os pontos ganhos no programa são chamados de estrelas, o que se alinha perfeitamente com a marca.Aplicativo
Para estar o mais amplamente disponível possível, a Starbucks criou um aplicativo para seu programa de fidelidade que pode ser baixado em qualquer dispositivo. Através do aplicativo, os associados podem fazer tudo relacionado ao ganho de pontos: verificar seu saldo de estrelas, acompanhar o quão perto estão da próxima recompensa, fazer pedidos com antecedência para evitar esperas, pré-carregar seu cartão Starbucks com crédito para uso na loja e enviar cartões-presente, etc.
Isso é ideal para a aceitação do programa de fidelidade, já que cerca de 57% dos consumidores preferem o envolvimento com programas de fidelidade através de seus dispositivos móveis, segundo pesquisa de 2018 da LoyaltyLion.Alto nível de personalização
Ao se inscrever, os membros do programa são convidados a definir suas preferências para suas bebidas (e produtos de forma geral), desde a escolha do leite, tamanho, doses de cafeína, etc. Essas preferências são preenchidas automaticamente quando o cliente explora as bebidas pelo aplicativo, tornando o pedido de café mais fácil do que nunca: a possibilidade de personalização faz com que os clientes se sintam únicos e valorizados.
Know-how da Zamp e próximos passos
Em 2021 a South Rock repaginou o Starbucks Rewards no Brasil, buscando oferecer um programa mais personalizado e com uma experiência digital única aos consumidores brasileiros. O aplicativo da Starbucks já estava em operação no Brasil desde o ano de 2016 e, até janeiro de 2024, no último mês de operação do programa no Brasil, o aplicativo somava mais de 1 milhão de downloads na Google Play e era o 30° mais baixado na apple store, da sua categoria.
Já a Zamp, com o aplicativo do Burger King, fechou o primeiro trimestre de 2024 com uma base de 21,3 milhões de usuários cadastrados no aplicativo, segundo a sua divulgação de resultados.
A companhia terá que se reinventar nos próximos anos, são programas pensados de formas diferentes e uma operadora master diferente, tanto a marca Burger King quanto Popeyes possuem a mesma operadora master.
Por isso, a Zamp enfrentará desafios de se adaptar a novas políticas e estratégias para entender como tracionar um programa de fidelidade já reconhecido internacionalmente, mas que necessitará de um novo começo no Brasil.
Com o direcionamento já reforçado por Paulo, novo CEO da Zamp, é possível especular em um passo além da implementação de um Starbucks Rewards “a brasileira”: com marcas consolidadas como Burger King e Popeyes, e o desejo de ampliar o portfólio com outras marcas referência em seus respectivos mercados, por que não criar um programa de fidelidade entre elas, comum a todas?
Claro, algo nessa proporção não é algo simples, mas já houve ocasiões em que o Clube BK envolveu produtos Popeyes. É uma forma de conseguir criar um ecossistema próprio, atendendo a clientes em diferentes ocasiões (durante o almoço, o Burger King; café da tarde, Starbucks; jantar em família, com um balde de frango com o Popeyes etc).
É possível, inclusive, extrapolar esse conceito: o próprio clube BK faz algumas parcerias pontuais com outras marcas, como por exemplo Zé Delivery, Cinemark e Recargapay. Pode ser um modo de mapear diferentes momentos de consumo dos clientes, podendo atender a grande parte deles, tudo ficando amarrado por meio de um programa de fidelidade abrangente e acessível: fortalecer a marca Zamp (que, inclusive, teve seu nome alterado de Burger King Brasil justamente com esse intuito) pode ser o caminho futuro da empresa, especialmente considerando que, de acordo com estudo elaborado pela McKinsey & Company de 2021, os programas de fidelidade tendem a melhor desempenho da empresa que os adota, aumentando a receita anual dos clientes em 15% a 25%.
Com um case já consolidado, a Zamp tem a oportunidade de ampliar essas marcas de forma exponencial e de forma integrada com sua estratégia com diferentes marcas.
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