O fim da era do product-market fit como dogma
Durante anos, “product-market fit” foi tratado como o marco definitivo de uma startup viável. Resolver um problema real. Para um público real. Com retenção, uso consistente e algum tipo de tração orgânica.
Mas algo mudou no ciclo pós-pandemia. A nova geração de founders, acelerada por IA generativa, cultura de criadores e plataformas de alcance algorítmico, parece ter internalizado outra tese:
Melhor do que resolver um problema é capturar atenção.
Não é que produto não importe. Mas ele virou secundário. O que importa primeiro é a estética, o manifesto, a energia cultural. A “vibe”.
Nasce aí um novo conceito: vibe-market fit.
O que é vibe-market fit
Vibe-market fit acontece quando uma startup não encontra o encaixe entre produto e dor, mas entre narrativa e desejo de pertencimento.
Ela não resolve um problema. Ela transmite uma sensação.
Não entrega valor funcional. Entrega identidade, rebeldia, ambição ou ironia.
É a empresa que vira meme antes de virar SaaS.
É o vídeo no TikTok que vem antes do onboarding.
É o manifesto que viraliza antes do produto existir.
A tração não vem do “aha moment” de uso.
Vem da estética e da provocação.
Cluely é o caso extremo
O caso mais simbólico do vibe-market fit em 2025 é a Cluely.
Uma IA invisível que ajuda a colar em entrevistas e provas. O produto é limitado, com delay, bugs e aplicação duvidosa. Mas o branding é forte, o storytelling é agressivo, e o CEO é um personagem digno de reality show.
A promessa? "Cheat on everything".
A tese? “O mundo não premia esforço, premia leverage.”
O público-alvo? Quem não quer parecer ético, quer parecer eficiente.
Cluely não vende software. Vende atitude.
É mais culto digital do que ferramenta funcional.
É mais símbolo geracional do que solução para entrevistas.
Por que isso funciona (por um tempo)
Startups vibe-first funcionam em ambientes com três ingredientes:
Mídias que priorizam atenção extrema
TikTok, X e Reels recompensam quem provoca, exagera ou ridiculariza o status quo. Produtos que têm um “hook cultural” performam melhor do que soluções silenciosas.Usuários que buscam identificação mais do que eficiência
Pessoas não seguem marcas. Seguem personas. Startups com vibe-market fit criam fandom antes de criar base de clientes.Investidores dispostos a bancar hype como ativo
Fundos como a16z já internalizaram que narrativa é pipeline. Financiam founders com discurso afiado, estética viral e capacidade de polarizar.
O colapso quando o ciclo de atenção acaba
O problema do vibe-market fit é que ele não sustenta produto ruim por muito tempo. Quando a atenção esfria, o que sobra é a experiência.
E se ela for fraca, tudo desaba.
Usuários frustrados abandonam rápido.
Retenção desmorona.
O ciclo de aquisição orgânica quebra.
O valuation inflado vira peso.
O culto precisa se converter em uso real. Ou morre de overdose de expectativa.
É o que ameaça a Cluely agora. Os vídeos continuam viralizando, mas cada review honesta expõe a distância entre a promessa e a entrega. E sem PMF, não há marketing que segure a barra no longo prazo.
O que isso ensina para quem está construindo startups
Vibe-market fit não é ruim por definição. Mas precisa ser tratado como um acelerador, não como um pilar.
Ajuda a atrair os primeiros usuários? Sim.
Cria buzz para fundraising? Com certeza.
Cria vantagem sustentável? Não.
A sequência saudável continua sendo:
Narrativa forte para abrir a porta.
Produto robusto para justificar a permanência.
Valor real para gerar retenção e receita.
Startups que começam pela vibe precisam correr rápido para entregar substância. Startups que começam pela substância precisam aprender a transmitir vibe.
No fim, quem sobrevive são as que conseguem transitar dos memes para os gráficos de uso diário. Porque viralizar pode ser sorte. Retenção, nunca é.
Escrevi justamente sobre o case da Cluely onde abordo o paradoxo da Cluely, onde o problema é que, cedo ou tarde, a narrativa encontra a realidade. E aí o eles serão cobrados por outra coisa além da métrica de atenção nas redes sociais.
Onde vamos parar? Hahaha
Uma news estranhamente necessária!
Obrigado