Bem-vindo ao novo WhatsApp, com anúncios
Privacidade, simplicidade e ausência de anúncios sempre foram o DNA do WhatsApp. Até agora.
Por quase duas décadas, o WhatsApp operou sob uma lógica simples: conectar pessoas, sem anúncios, sem algoritmo, sem ruído. Enquanto Facebook e Instagram surfavam nas ondas da publicidade direcionada, o WhatsApp se mantinha como um bastião de privacidade. Isso acabou.
Em 16 de junho de 2025, a Meta oficializou sua maior guinada estratégica desde que comprou o app em 2014: anúncios na aba "Atualizações" e canais pagos por assinatura. É a primeira vez que o WhatsApp passa a gerar receita diretamente de seus usuários ou por exibição publicitária.
A lógica é clara: transformar a base massiva de usuários do WhatsApp (mais de 2 bilhões no mundo, sendo mais de 140 milhões só no Brasil) em uma fonte recorrente de receita, replicando os modelos bem-sucedidos de monetização que já operam em Facebook e Instagram.
Um novo WhatsApp está sendo construído em silêncio
A nova estratégia do WhatsApp se apoia em três frentes principais.
A primeira é a introdução de anúncios na aba Atualizações, onde ficam os Status e os Canais. Esses anúncios aparecem entre os conteúdos orgânicos, permitindo que empresas se conectem diretamente com usuários, com base em dados limitados, como localização, idioma e interações. A ideia é facilitar a descoberta de negócios e gerar conversas diretas sem invadir as mensagens privadas.
A segunda frente é a criação dos canais pagos por assinatura. Criadores de conteúdo, marcas e influenciadores agora podem cobrar mensalidades para oferecer conteúdo exclusivo dentro do WhatsApp. Esse modelo cria uma nova fonte de receita recorrente e transforma o app em uma plataforma de monetização direta, especialmente relevante para criadores com comunidades engajadas.
Por fim, a terceira iniciativa envolve os canais promovidos. Aqui, empresas e criadores podem pagar para aumentar a visibilidade de seus canais dentro do diretório do WhatsApp ou na seção “Explorar”. Funciona como um impulsionamento: quanto mais se investe, maior a chance de conquistar novos seguidores.
Esses três movimentos, anúncios, assinaturas e promoção, reposicionam o WhatsApp de um simples mensageiro para um ambiente completo de conteúdo, descoberta e receita.
Por enquanto, nada muda nas conversas privadas. Mas o WhatsApp passou a ter uma nova camada: uma espécie de feed paralelo onde rolam anúncios, conteúdo promovido e cobranças por acesso.
A Meta está criando uma nova economia dentro do app e quer que usuários, empresas e criadores façam parte disso antes mesmo de perceberem o que mudou.
O Brasil vai ser o primeiro grande teste
O Brasil é o segundo maior mercado do WhatsApp no mundo. Aqui, o aplicativo já é usado para compras, consultas, cobrança, conteúdo e até educação. Isso torna o país o laboratório ideal para as novas apostas da Meta.
Pequenos negócios já usam o WhatsApp como canal de vendas. Com anúncios e canais pagos, podem formalizar o que antes era improviso.
Criadores que constroem comunidades no app agora têm um modelo claro de assinatura mensal.
Consumidores estão acostumados a pagar por conteúdo e confiam no WhatsApp como ambiente direto e sem ruído.
Mas há um alerta: a LGPD impõe regras parecidas às da Europa. Se a segmentação for percebida como invasiva, o jogo pode virar. Privacidade ainda é um ativo emocional muito forte no Brasil, e a Meta precisará calibrar sua abordagem para não repetir os erros de outras plataformas.
O truque da Meta: segmentar sem quebrar a criptografia
Para manter o discurso de privacidade e ainda assim entregar anúncios relevantes, a Meta criou uma arquitetura esperta: só usa dados básicos (idioma, cidade, interações com canais) e, se o usuário quiser, pode integrar o WhatsApp ao Accounts Center.
Esse recurso permite compartilhar as preferências de anúncio do Facebook e Instagram com o WhatsApp. Não é obrigatório, mas é o que ativa o verdadeiro poder de segmentação da Meta, sem nunca tocar nas conversas privadas.
A decisão parece estar nas mãos do usuário. Mas, na prática, a estrutura incentiva a vinculação com promessas de personalização e praticidade. É uma engenharia de consentimento disfarçada de escolha.
A Europa já disse não. O Brasil vai esperar?
Na União Europeia, esse tipo de modelo híbrido (“aceite ser rastreado ou pague”) já foi considerado ilegal. O WhatsApp pode enfrentar o mesmo destino se tentar empurrar esse modelo para seus usuários europeus.
Organizações como a NOYB já sinalizaram que vão processar a Meta se ela tentar aplicar o mesmo modelo disfarçado de escolha no WhatsApp. Isso afeta não só a reputação da empresa, mas também o potencial de receita, já que as taxas de adesão caem drasticamente quando o consentimento precisa ser livre e informado.
No Brasil, ainda não há reação institucional forte. Mas o cenário pode mudar se a integração entre plataformas for percebida como invasiva. Principalmente porque o WhatsApp é um canal pessoal, íntimo e emocional, muito mais do que qualquer rede social.
A Meta quer transformar o WhatsApp no novo WeChat
Mais do que competir com o Telegram, o plano é claro: o WhatsApp quer ser o WeChat do Ocidente.
Isso significa transformar o app em um espaço que vai muito além das mensagens:
Canais pagos com conteúdo exclusivo.
Anúncios segmentados baseados no comportamento.
Comunicação entre empresas e clientes dentro do app.
Possibilidade futura de pagamento e transações.
A experiência de chat vira porta de entrada para uma plataforma de negócios e distribuição. Quem antes usava o WhatsApp apenas para conversar com amigos, agora pode assinar newsletters, consumir conteúdo e fechar uma compra sem sair do app.
O que está em jogo: confiança, receita e controle
A Meta está diante de uma equação delicada. Monetizar o WhatsApp é inevitável, manter uma base de bilhões de usuários sem retorno direto sempre foi insustentável. Mas há limites invisíveis que, se ultrapassados, não voltam.
Se fizer direito, o WhatsApp pode se tornar a próxima grande plataforma de conteúdo, comércio e conexão direta. Se errar, pode perder o principal ativo que sustentou sua dominância até aqui: a confiança silenciosa do usuário.
O jogo não é só de produto. É de percepção, timing e consistência. E dessa vez, o Brasil não é espectador, é o palco principal.
"É a primeira vez que o WhatsApp passa a gerar receita diretamente de seus usuários" acredito que seja a segunda. Nos primórdios o WhatsApp custava USD 1 para baixar. Eu paguei! :joy: