Quebrando todos os protocolos possíveis na redação de um artigo, começarei respondendo à pergunta do título literalmente no primeiro parágrafo: depende.
Para elaborar essa resposta precisamos inicialmente checar dados não só do Brasil mas de outros países, incluindo os EUA, onde muitas tendências de trabalho são disseminadas globalmente.
O modelo de trabalho remoto está longe de ser uma novidade, uma vez que a parcela de trabalhadores a distância no total da população dobrava a cada 15 anos antes de 2020. No entanto, durante a pandemia, houve um crescimento equivalente a 30 anos de progresso.
De acordo com Bloom (2022), o trabalho remoto trouxe benefícios como menor rotatividade nas empresas e aumento geral na satisfação no trabalho.
Em regiões desenvolvidas como os EUA e países europeus o trabalho remoto é mais comum, enquanto na América do Sul sua adoção é limitada por questões culturais, de mercado e de infraestrutura.
Em 2021, 57,5% das empresas afirmam ter adotado o modelo home-office no Brasil, de forma parcial ou total, incluindo os que já adotavam essa modalidade antes da pandemia. Esse percentual caiu para 32,7% em outubro de 2022. Qual seria a razão pela diminuição drástica na adoção do modelo?
Proporção de empresas que adotaram o trabalho remoto ou regime de home-office durantes os anos de 2021 e 2022 no Brasil (%).
Especulação imobiliária
Um outro estudo realizado pela WFH (grupo composto pelas universidades de Stanford, Chicago, MIT e Princeton) trouxe dados a nível global entre os meses de Abril e Maio de 2023: Insights interessantes em relação a percepção dos colaboradores sobre quais seriam os principais benefícios ao trabalharem de casa. As respostas para essa questão contaram com mais de 20 mil respondentes de diferentes países.
Principais benefícios percebidos pelos colaboradores ao trabalharem de casa.
Os dois primeiros insights trazidos pela pesquisa abordam um ponto crucial: os gastos economizados pelo trabalhadores ao atuarem de forma remota. O corte nos custos de deslocamento, como ônibus, metrô e outros envolvendo o uso de carros (como gasolina e estacionamento), além de alimentação no local, é o principal ponto trazido como benefício.
E esses elementos geram um impacto profundo em basicamente toda a economia local: com a diminuição de tráfego de pedestres em regiões popularmente conhecidas por serem zonas de grande movimentação, negócios localizados nas proximidades diminuem drasticamente seu volume de transações, fazendo com que a economia desacelere a passos largos.
Dentre as diferentes industrias afetadas, talvez a mais representativa seja o ramo imobiliário: Quase 304 milhões de quilômetros quadrados de imóveis de escritórios estavam disponíveis nos EUA em busca de um inquilino no final de 2022.
A migração induzida pela pandemia das zonas urbanas levou a um aumento significativo dos preços das casas e das rendas nas zonas suburbanas, enquanto os centros das cidades registaram a tendência oposta, com uma diminuição dos preços e das rendas.
Ou seja, um dos principais motivos para estimular o retorno aos escritórios é estritamente financeiro, do ponto de vista de algumas empresas (que não querem ter gastos concretos com alugueis de espaços, por exemplo, sem retorno) e até governamentais, com o exemplo da própria Casa Branca, que solicitou as agências do gabinete que trouxessem funcionários públicos de volta ao escritório com mais frequência, de acordo com comunicados internos, como forma de estimular a circulação da economia.
Produtividade x Ambiente de trabalho
Mas o motivo pelo qual você clicou no link não foi de apenas ter uma visão do panorama do trabalho remoto nos EUA e no mundo afora: foi o de buscar insights sobre um tema recorrente que muitos líderes de diferentes organizações vem abordando recentemente.
A necessidade do retorno (ao menos parcial) dos funcionários aos espaços de trabalho de empresas como Amazon, Twitter, Google e tantas outras (incluindo o próprio Zoom, empresa sinônimo do modelo de trabalho remoto, que no início do mês de agosto solicitou que parte de seus colaboradores passassem a frequentar o escritório de trabalho de forma híbrida) já não é novidade.
Estudos como o da Future Forum de Outubro do ano passado reportam que trabalhadores nos EUA com flexibilidade total de horário relatam uma produtividade 29% maior e uma capacidade de concentração 53% maior do que os trabalhadores sem capacidade de mudar de horário.
Entretanto, um relatório divulgado pela Microsoft em setembro de 2022 descobriu que 85% dos líderes dizem que a “mudança para o trabalho híbrido tornou um desafio ter confiança de que os funcionários estão sendo produtivos”. De forma mais concreta, 49% dos gestores de trabalhadores híbridos “lutam para confiar que os seus funcionários farão o seu melhor trabalho”.
Nesse mesmo estudo, os autores cunham o termo “Paranoia de Produtividade”: Há uma grande desconexão entre a parcela de líderes que afirma ter total confiança de que sua equipe é produtiva (12%) e a parcela de funcionários que relatam ser produtivos no trabalho (87%).
No levantamento feito pela Microsoft, apenas 12% dos líderes afirmam ter total confiança de que sua equipe é produtiva, enquanto 87% dos funcionários que relatam ser produtivos no trabalho.
Esta falta de confiança na produtividade dos trabalhadores levou a criação desse termo “onde os líderes temem que a perda de produtividade se deva ao fato de os funcionários não trabalharem, apesar de as horas trabalhadas, o número de reuniões e outras métricas de atividade terem aumentado”.
A empresa criada por Bill Gates não está sozinha: outro report divulgado pela Citrix, baseado num inquérito global a 900 líderes empresariais e 1.800 trabalhadores que podem fazer o seu trabalho remotamente, mostra que metade de todos os líderes empresariais acredita que quando os funcionários trabalham “fora da vista”, eles não trabalham tão arduamente.
Preciosismo gerencial
Existe um claro descolamento em relação a percepção de produtividade entre as figuras de liderança e seus colaboradores. Dentro desse contexto, como podemos chegar a uma conclusão em relação a eficiência?
Um estudo liderado pela universidade de Stanford, conduzido antes da pandemia, pode ajudar nesse sentido. Uma empresa listada na NASDAQ designou aleatoriamente funcionários de call center para trabalhar em casa ou no escritório por 9 meses.
O trabalho em casa resultou num aumento de desempenho de 13%, devido a uma combinação de menos dias de licença médica e um ambiente de trabalho mais silencioso e conveniente.
Aqueles que trabalhavam em casa melhoraram a satisfação no trabalho, registrando uma taxa de desgaste 50% menor.
Outra pesquisa mais recente, divulgado no mês de julho do ano passado, contou com a atribuição aleatória de programadores, equipe de marketing e finanças. Como resultado, o trabalho híbrido (semelhante ao trabalho remoto) reduziu o desgaste em 35% e resultou em aumento de 8% na escrita de códigos.
Ao checarmos um exemplo brasileiro, o estudo da FGV IBRE divulgado no mês de março desse ano mostra que em 2022 a proporção de empresas que notaram aumento da produtividade de seus colaboradores em regime home-office aumentou para cerca de 30%, 8 pontos percentuais a mais do que no ano anterior.
O trabalho presencial é mais eficiente?
Outro argumento constantemente utilizado por pessoas que defendem o trabalho presencial é o de que as experiências e relações com pessoas no mesmo espaço físico tendem a ser mais profundas do que no virtual. Dados da WFH também trouxeram as percepções dos próprios colaboradores em relação aos benefícios atribuidos ao trabalho presencial.
Principais benefícios percebidos pelos colaboradores ao trabalharem nos espaços da empresa, como escritórios.
Entretanto existem indicadores que ressaltam que os funcionários internos trabalham apenas entre 36% e 39% do tempo quando estão nos escritórios de suas empresas.
E o resto do tempo no escritório eles estão desempenhando outras atividades não necessariamente relacionadas ao trabalho: o fato da ida presencial não necessariamente resulta em maior proatividade.
Micro gerenciamento
Com tantas evidências e estudos detalhando a produtividade de trabalhadores remotos, por que normalmente são as figuras de liderança que apontam para a modalidade com ressalvas?
Como aponta a Harvard Business Review em matéria de mais de 10 anos atrás, os líderes são treinados para avaliar os funcionários com base no “tempo presencial”. Aqueles que chegam cedo e saem tarde são percebidos e avaliados como mais produtivos muitas vezes de forma emocional, sem necessariamente levar em conta os dados relacionados a produtividade em si.
Outro estudo realizado pelo MIT chamado Sloan Management Review, também de 2012, mostra que os funcionários remotos que trabalham na mesma intensidade e durante o mesmo período de tempo daqueles que estão no escritório em empregos semelhantes, acabam recebendo avaliações de desempenho mais baixas, menos promoções e menos aumentos salariais.
Esta tendência não mudou muito na pandemia para os gestores mais velhos (líderes com menos de 50 anos aceitam muito mais o trabalho híbrido e remoto e se concentram em como fazê-lo bem nos EUA, segundo estudo divulgado pela Future Forum) que aprenderam a liderar muito antes da era do trabalho remoto.
Isto deve-se a um viés de ancoragem, um ponto cego mental perigoso – uma espécie de preconceito cognitivo. Nesse caso, podemos denominá-lo como um viés de proximidade.
Esse comportamento se torna danoso porque um viés da ancoragem muitas vezes impede que façamos reavaliações com base em dados. A forma de entendimento é puramente o empirismo: “Eu já vi determinada acontecer mais de uma vez...” logo, toda situação será semelhante.
Vamos supor que um colaborador que trabalha remotamente de fato não produzisse tanto quanto a média dos trabalhadores que vão ao escritório de forma regular. Como algumas pessoas já tem uma visão consolidada de que o trabalho remoto não é tão eficaz, automaticamente vão usar esse exemplo para embasá-la.
É semelhante ao “efeito bolha” que vemos nas redes sociais, onde os usuários pesquisam tanto sobre determinado assunto que suas recomendações de novos conteúdos são majoritariamente associadas a esse mesmo tópico.
Marcas globais
O trabalho de forma remota pode ser aplicado de modo mais abrangente, envolvendo uma empresa multinacional. Nesse cenário, sua presença em diferentes países resulta, obrigatoriamente, em alinhamentos assíncronos em relação a estratégia a ser utilizada. E, claro, isso ocorre por meio da pulverização da atuação das pessoas.
Segundo Edney Souza, responsável pelo workshop sobre produtividade na ESPM:
“Empresas que falham em criar uma cultura remota tem grandes chances de falhar também criando uma cultura presencial.
Cultura não se transmite do concreto para a alma humana. Cultura se transmite de pessoas para pessoas, através de comunicação assertiva, comunicação não violenta, feedback.”
Esse alinhamento remoto é crucial para empresas que buscam a expansão em larga escala: o alinhamento de valores (verdadeiro e concreto) entre colaboradores que entendem a estratégia e o valor gerado pela empresa é mais importante do que observá-los presencialmente no escritório.
Temos, inclusive, um case envolvendo o maior banco da américa latina com o Itaú, que desde 2020 passa por um processo de transformação digital, adotando o formato de Comunidades Integradas, buscando identificar sinergias para facilitar a troca entre suas diferentes equipes que se encontram em estágios variados de maturidade.
Isso tudo em uma organização que conta com mais de 100 mil colaboradores: iniciar uma transição dessa magnitude em plena pandemia mostra que é possível termos casos de sucesso em território nacional.
Entretanto, esse caso não é facilmente observado: muitas vezes as organizações que levantam a bandeira do trabalho presencial não estão fazendo dinâmicas e encontros que favorecem a disseminação de sua cultura e estratégia, essenciais para alterações nas alavancas de negócios.
Variáveis interpessoais
Existem condições adequadas para o exercício remoto que nem todos os colaboradores possuem segundo diferentes fontes de estudos. Além da questão envolvendo a saúde mental do profissional e nível de maturidade, existem fatores externos na residência que poderão ser determinantes no foco do funcionário.
Ele(a) cuida de algum membro da família idoso ou enfermo? Existe uma criança recém-nascida que disputa a atenção com o computador? Esses são só alguns exemplos práticos de como a empresa precisa prestar suporte nesses tipos de situações descritas para garantir a produtividade do profissional em questão.
Outra questão importante é o de infraestrutura: existe um espaço dedicado especificamente para as atividades de trabalho? A conectividade da internet é ágil o suficiente? Essas condições são essenciais para todos que os profissionais possam se organizar e gerenciar seu trabalho remotamente.
Produtividade data-driven
Assim como para a adoção de estratégias pelas empresas, as decisões referentes aos modelos de trabalho deverão se concentrar cada vez mais por meio de dados, e não dogmas.
Uma pesquisa feita pela Sociedade de Recursos Humanos realizada em junho de 2022 com 1.700 pessoas dos EUA descobriu que 48% dos entrevistados irão “definitivamente” procurar um cargo remoto em tempo integral para seu próximo emprego.
No Brasil, a 24ª edição do "Índice de Confiança Robert Half" (ICRH) divulgada em junho traz dados importantes referentes ao cenário nacional: dos 1.161 profissionais ouvidos, 76% consideram o modelo hibrido como ideal para trabalharem, enquanto 18% indicam o home-office integral.
Ou seja, é provável que os profissionais mais capacitados do mercado tendam a exigir o formato remoto como algo imprescindível para sua contratação, algo a ser levado em conta em nosso país por conta da defasagem de mão de obra especializada de alguns segmentos.
E, nesse cenário, a solução é a tomada de decisão de forma embasada, evitando cair na armadilha do viés de proximidade, e estar aberto a cases e estudos de mercado, além da adoção de formas de organização remota.
Dentre as principais dificuldades reportadas tanto por colaboradores quanto líderes atuando na modalidade totalmente a distância ou híbrida, uma das principais foi a falta de alinhamento com os gestores diretos. Tanto os líderes estão buscando direcionamento da área executiva, quanto seus colaboradores fazem o mesmo solicitando suas orientações.
Para ter sucesso nesse cenário, será necessária a reciclagem dos gestores na avaliação do desempenho e na abordagem do viés de proximidade. As empresas terão de ensiná-los a confiar nos dados e não nas suas próprias reações instintivas. Eles também terão que aprender uma nova abordagem para avaliações de desempenho, personalizada para trabalho híbrido e remoto.
Em suma, ao adotar as melhores práticas para a modalidade de trabalho a distância, as empresas tem chance de aumentar a sua produtividade, melhorar a retenção e capacitação seus líderes (estimulando a tomada de decisão não apenas pelo empirismo, mas pela orientação com dados).
Para isso será necessário estreitar a confiança entre chefes e funcionários, evitando o viés de proximidade ou a Paranoia da Produtividade: é preciso buscar formas efetivas para gerar valor ao primeiro público relevante antes do cliente, o interno, por meio da tradução de valores reais para propagação da cultura da empresa – Algo mais valioso para a produtividade do que a modalidade de trabalho a ser adotada.
Parabéns pelo artigo! Nada melhor que trazer dados para tirar achismos do caminho e você trouxe muitos! 👏👏👏👏
Antecipando minha opinião: Eu prefiro o home office, mas vejo pontos positivos em visitas ao escritório.
Artigo fantástico. Sem sensacionalismos.
Passou pelos principais argumentos que lemos por aí mostrando reportagens e referências.
Alguns comentários:
* A questão de reaquecimento da economia usado pela Casa Branca não pode ser generalizada como fator principal, como fazem por aí. E pior, colocam na conta dos tubarões da economia e do senhor mercado. Isso pra mim é teoria da conspiração. Claramente houve impacto mas a tendência de volta que vemos por aí não é por isso.
* Acho que nem todos os níveis de uma organização precisam de presencial. E acho que alguns precisam mais do que outros. Por exemplo, tomadas de decisão são melhores feitas olho no olho, precisam de conhecimento pessoal entre quem está negociando. Em contrapartida, especialistas técnicos podem ficar em casa sem nunca ir no escritório só entregando coisas que só eles sabem fazer. E aqui fica uma deixa: quer participar mais das decisões da empresa? É provável que a presença física seja mais demandada.
* No meu ponto de vista, a ida ao escritório tem benefícios interpessoais diferentes daqueles abordados no texto e estudos. Acho que não se trata de uma confiança de produtividade mas sim de relação entre pessoas, sobre em quem confiar quando algo inesperado acontece, sobre conhecer a pessoa de fato e não somente numa tela. Antigamente os happy hour de time tinha objetivos similares: conhecer as pessoas fora do escritório.
* Apesar de toda essa ponderação a favor da ida ao escritório, acho que fazê-lo com número determinado de vezes, sem um motivo claro, não traz o engajamento que se espera. As empresas precisam criar situações que estimulam o time a ir ao escritório sem ter que obrigar.
Resumindo, acho que, depois do home-office forçado, o pêndulo está voltando e, como sempre acontece em casos extremos, ele volta atropelando. Acredito que essas obrigatoriedades de presença no escritório serão revistas em algum tempo ficando apenas para eventos específicos e posições/situações específicas. Dessa forma o pêndulo se estabiliza no meio de maneira equilibrada.
Precisamos de mais texto ponderados como o seu, Estevan. Parabéns! Generalizações e extremismos não contribuem em nada. Tem conversa aí pra mais de metro.