Uma Imersão no "Jeito Itaú de Produtar"
O que define um "produto"? E quem, de fato, é responsável por ele? Essas perguntas, que podem parecer teóricas, estão no centro de uma das transformações culturais mais relevantes do mercado brasileiro. Recentemente, tivemos acesso ao Festival Itubers, um evento interno do Itaú, para entender como uma empresa desse porte está repensando o que significa criar produtos que realmente façam sentido para os clientes.
O Princípio Fundamental: Todos Somos Produteiros
A ideia central do evento foi direta e estratégica: a responsabilidade pelo produto não pertence a uma área específica, mas é compartilhada por todos que participam da jornada do cliente. Essa premissa simples, mas exigente, mostra o desafio de alinhar milhares de pessoas em torno de um objetivo comum: entregar valor real todos os dias.
Um dos palestrantes explicou de forma clara o que isso significa na prática:
“Produto é tudo aquilo que está continuamente entregando valor para o cliente. Quando você está fazendo a gestão de fila na agência, aquilo é um produto. Se estamos todos aqui atendendo e entregando valor para o nosso cliente todos os dias, estamos todos sendo produteiros.”
Essa forma de pensar exige romper os silos que tradicionalmente separam a tríade de Negócios, Tecnologia e Design das áreas de atendimento, comercial, riscos e operações. Em vez de um organograma rígido, o Itaú busca um modelo em que produto não seja apenas um cargo ou um time específico, mas um mindset coletivo. Isso implica rever processos, fluxos de decisão e prioridades para garantir que o aprendizado do contato com o cliente circule livremente.
Um dos líderes da comunidade de Produtos reforçou esse ponto ao falar sobre a postura que o banco quer incentivar:
“Ser produteiro, acima de tudo, é entender qual que é a necessidade que o cliente tem e, a partir dela, buscar uma solução. É ter humildade intelectual e uma curiosidade enorme.”
Case #01: A IA como Ferramenta de Empatia na Curadoria de Conteúdo
Longe das grandes divulgações e anúncios de novos recursos, um dos exemplos mais concretos de inovação focada no cliente veio da equipe de Experiência de Atendimento Digital. Eles são os responsáveis por cuidar da curadoria de conteúdo dos nove produtos disponíveis no assistente virtual do Itaú.
Uma das integrantes da equipe explicou o desafio diário com clareza:
"A gente cuida da curadoria do conteúdo desses nove produtos. Isso exige uma comunicação muito integrada, porque às vezes a equipe do produto está tentando resolver o problema do produto, e a gente vai sentar e falar: 'Olha, não é bem assim, o cliente está apanhando lá na ponta'."
O trabalho deles vai muito além de simplesmente executar pedidos. É assumir a dor do cliente, questionar soluções prontas e colaborar para criar jornadas que façam sentido de verdade.
"A gente não pode só receber a proposta de qualquer jeito. É sobre tomar a dor do cliente e falar: 'Galera, não é isso. E se a gente fizesse de outra forma?'"
Essa forma de atuar traduz o conceito de "ir de turma", citado na palestra, que consiste em conectar áreas diferentes e reconhecer que, para construir uma solução integrada, é essencial ouvir quem está todos os dias em contato direto com o cliente.
Case #02: O Tabu da Fraude e a Importância da Escuta Ativa
Como entender a dor de um cliente que evita falar sobre ela? Esse foi o desafio enfrentado pela equipe de prevenção a fraudes do Itaú.
JC, um dos líderes de design, contou como chegaram a um ponto crítico de entendimento: ser vítima de fraude carrega um peso emocional e é um tema difícil de expor.
“A gente descobriu que o tema sobre fraude é um tabu. Ninguém quer falar. Eu comprei uma caixa de Ovo Maltine Pro, achei maravilhoso o preço, nunca chegou em casa. Mas eu não contei no jantar para minha família que eu fiz isso. Você não quer falar que passou por fraude.”
Esse tipo de insight não surge de uma pesquisa de múltipla escolha. Ele depende de escuta atenta, empatia genuína e da capacidade de enxergar que a jornada do cliente também é emocional. Com essa compreensão, a equipe conseguiu desenvolver produtos de prevenção que não só alertam sobre riscos, mas fazem isso usando a linguagem e o tom certos, respeitando a vulnerabilidade do cliente.
"É muito fácil ouvir o cliente, mas é muito complexo entender o cliente. Você precisa estar ali com muita empatia, entendendo."
A Evolução Contínua: O Produto como um Ser Vivo
A ideia de que um produto "fica pronto" foi desafiada. A mentalidade de "evolução contínua" é o motor da inovação.
“Nós não projetamos experiências. Nós projetamos interações. A experiência acontece quando o cliente, com sua interpretação de mundo, interage com o que projetamos. Por isso, a evolução tem que ser contínua.”
Essa forma de pensar está incorporada nos Princípios de Design do Itaú, que funcionam como um guia para toda a organização. Eles orientam desde a redação de um e-mail até a criação de uma nova interface, com foco em produtos que sejam: simples, relevantes, confiáveis e memoráveis.
O Design System é o instrumento que viabiliza esses princípios em escala, garantindo consistência em todos os pontos de contato, do app à ferramenta usada pelo gerente na agência. Um dos designers resumiu bem esse ponto:
"Se o gerente não estiver consumindo da mesma fonte, ele não consegue capturar o que é a experiência do Itaú, porque ele tem um sistema diferente."
O Papel da Liderança: Incentivar a Paixão pelo Problema
Em um ambiente tão complexo, qual é o papel da liderança? Mais do que oferecer respostas prontas, é remover barreiras e, principalmente, cultivar a mentalidade adequada.
O time de liderança foi claro em um ponto essencial: um bom profissional de produto deve ter paixão pelo problema, não pela solução.
“O produteiro tem que tomar muito cuidado para não ter paixão pelo que ele faz. Ele tem que gostar de ter problema. Quando vem um problema novo, a atitude é: 'Cara, que legal, um problema novo para resolver'."
Cabe à liderança criar as condições para que essa cultura floresça, oferecendo segurança para que as equipes se envolvam com os desafios e tenham autonomia para experimentar, falhar e aprender.
No fim das contas, a principal lição dessa imersão no Itaú é que criar produtos de verdade não é sobre ter todas as respostas, mas sobre fazer as perguntas certas, praticar escuta ativa e lembrar sempre que tecnologia é apenas um meio para resolver, de forma consistente e inteligente, os problemas de pessoas reais.